Coura de 2005 foi há uma vida, os Arcade Fire mudaram e o mundo também mas a ligação continua lá, como se viu no último dia do derradeiro festival de verão. Foals não dececionaram e Siouxsie voltou a ser rainha.
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Os Arcade Fire já não são a mesma banda que primeiro tocou em Paredes de Coura há 18 anos – ou uma vida– num final de tarde irrepetível. Que fez um álbum de estreia perfeito, inspirado num apagão causado pela neve em Montreal. Aquela banda enorme e virtuosa onde todos trocavam os vários instrumentos entre si em palco, só porque sim. Passaram muitos anos, o grupo massificou e mudou, houve momentos menos bons, houve queixas sobre o vocalista e é difícil não ver tudo isso. O mundo também mudou, todos nós, e hoje são já os filhos pequenos que também ouvem e gostam, há qualquer coisa nas crianças e nos coros fáceis que resulta – e eram bastantes as crianças este sábado, no último dia do Meo Kalorama 2023. Mas ao vivo, na entrega, no folclore sonoro e na ligação com o público português, é como se não se tivessem passado 10 concertos, 18 anos, ou um dia.
Cabeças de cartaz do palco principal do último dia do festival, os canadianos entraram pelas 22.30 horas com “Rabbit Hole” do mais recente “We”, logo recebido tão efusivamente que no final da música já Win Butler fazia "stage diving". De seguida, uma sequência arrebatadora garantiu a atenção de um público, na verdade, já ganho: a “Creature Confort” sucederam-se “Power Out”, e depois “Lies”, “Reflektor” e “Afterlife”, com Butler a cada oportunidade a ir para a multidão - não no fosso ou na linha separadora, mas mesmo no meio.
Novamente de “We”, “The Lightning I” e “II” levam um conversador e bem disposto Win a agradecer de novo ao público em Lisboa, a quem garantiu: “desde a primeira vez que tocámos em Portugal que dizemos a todas as bandas que toquem e venham, que é o público mais maravilhoso”.
Depois de “No Cars go” e “Tunnels”, novamente vividos em festa – coros para além do final da música e toda a magia que já é habitual –, Win dedica “The Sububs” a David Bowie. As reações a “Unconditional (Lookout Kid)” e “Sprawl II”, com Régíne Chassagne no foco e a dado ponto no público, levam o vocalista a voltar ainda a dizer: “de vez em quando eu paro e aprecio; e sempre que cá venho eu aprecio”.
Num concerto onde tenha talvez apenas faltado um momento mais intimista – como poderia trazer por exemplo “Crown of Love”, que teve lugar no último espetáculo em Espanha –“Everything Now” e “Wake Up”, duas das músicas mais perfeitas de sempre para serem tocadas ao vivo para milhares de pessoas, fecharam em coros e em festa, com o grupo a despedir-se com um “até à próxima”.
Fim de verão, dizem os Foals
Com os Arcade Fire, caiu o pano no palco principal no último dia do festival de verão que fecha a época em Portugal e na Europa, e para os Foals a estação terminou mesmo. O vocalista Yannis Philippakis referiu várias vezes a despedida, dizendo inclusive que não quereria passar o último pôr do sol deste verão num outro lugar que não junto do público português – percebendo-se obviamente que não se referia ao verão em si, mas à temporada de concertos e festivais. Para muitas bandas, como para os Foals, o Kalorama foi a última data das suas tours europeias, o que parece contribuir para uma postura ou entrega diferentes, que acabam por marcar o ambiente do festival, toda uma nostalgia de final de estação.
Quanto aos Foals, o grupo é um daqueles casos de combinação com Portugal que nunca falha por mais vezes que venham, e desta vez não foi exceção. “Wake me Up” e “Mountain” lançaram o concerto; e sobre “Olympic Airways”, Yanni disse de novo que a canção foi escrita “para este momento, o fim de verão”, lembrando porém que “o verão acaba, mas temos o futuro todo à nossa frente”.
Depois de “2001” e “My Number”, chegaram “In Degrees” e “Spanish Sahara”, talvez a sua canção mais bonita ou completa, com todo o público a sentar-se no chão a meio, a pedido do vocalista. Antes do final, houve tempo para praticamente todos os temas mais conhecidos e celebrados do público, incluindo “Inhaler” e o último “Two Steps, Twice”.
Abram alas para Siouxsie, a rainha do gótico e pós-punk
Siouxsie Sioux, ou Susan Janet Ballion, uma das artistas femininas mais importantes da história da música, não gosta particularmente do rótulo de rainha do gótico, como explicou há anos numa entrevista, por o achar redutor. Mas nada na cantora britânica é redutor, nada é comum, limitado ou vulgar. Há mais de 50 anos que Siouxsie inspira outros artistas, e no concerto que deu este sábado no Meo Kalorama, pelas 18 horas, o primeiro espetáculo em décadas no nosso país, lembrou-nos isso, e mostrou como ainda está em forma aos 66 anos – e como continua uma rainha.
De macacão brilhante prateado de capuz, coberto por uma capa a fazer lembrar uma personagem da Disney, entrou em palco ao som do icónico instrumental de vários filmes “Aquarium/Carnival of the Animals”, logo com uma enorme garra e postura, enquanto no público se via pais a explicarem aos filhos quem era aquela mulher e como tinha sido importante.
“Night Shift” foi o primeiro tema, trazido da vida de Siouxsie com os Banshees pelos clubes do Reino Unido e do mundo enquanto revolucionavam a música pós-punk e rock. Assim seria com a maior parte das canções tocadas: “Arabian Knights”, “Kiss Them for Me”, “Land's End”, “Spellbound”, “Sin in My Heart” e claro, “Happy House”, entre outros, todos de Siouxsie and the Banshees, foram intercalados com dois temas de “Mantaray”, álbum a solo lançado em 2007 e uma cover de “Dear Prudence”, dos Beatles.
Em palco, a cantora foi tudo o que imaginávamos e mais um pouco, mesmo aos 66 anos: poderosa, teatral, com salero, com dança, com gritos, diva, dona disto tudo. Foi pena ser tão cedo, não estar cheia a plateia, haver claros fãs mas não tantos assim, haver tanto sol num ambiente que se pedia mais escuro. Mas Siouxsie não vacilou e foi comunicando com o público, brincando com o que via em palco, e no final confessou que tudo passou muito rápido. Tão rápido e um pouco estranho que quase fica a dúvida: Siouxsie em Portugal em 2023, a cantar “Happy House” num festival ao fim do dia, aconteceu mesmo?
Outro caso de sucesso no nosso país, os The Hives deram no palco San Miguel mais um espetáculo em que foram iguais a si próprios: fatos completos, sequência alucinante de músicas, piadas, dança, idas ao chão e mais piadas. Tudo num concerto leve e pejado de êxitos antigos, com também temas do novíssimo “The Death of Randy Fitzsimmons”, aproveitando ainda o vocalista Pelle Almqvist para anunciar, num português quase perfeito, um concerto no Capitólio de Lisboa a 6 de outubro.
Antes, neste mesmo palco secundário, Dino D’Santiago fez a energia de Cabo Verde e do funaná encher todo o espaço disponível num concerto efusivo que incluiu uma versão de “Os Putos”, de Carlos do Carmo. Já a encerrar o recinto, a artista brasileira Pabllo Vittar deu a esperada festa à multidão de fãs que desde muito cedo a aguardavam, não deixando de lado temas como “Bandida”, “Amor de Que” e “Sua Cara”.
O Meo Kalorama já está confirmado para 2024 e regressa nos 29, 30 e 31 de agosto ao Parque da Bela Vista, em Lisboa.