Comecemos a história pelo fim. Morreu, aos 90 anos, Carmen Mora, mãe de Paco Mora, um ator e coreógrafo de flamenco de Málaga. O que há nesta morte? Paco Mora subiu há dois meses com a sua mãe ao palco, em Sevilha, com o espetáculo "E.A" criado a partir da crueza da doença de Alzheimer.
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Uma das leis da tragédia de Aristóteles é que as coisas boas chegam sempre demasiado tarde. Mas se tirarmos da equação a noção de tempo deixa de haver tarde e cedo.
Há oito anos, o diagnóstico que ninguém quer receber bateu à porta da família Mora. Carmen, a mãe, esqueceu-se de si, da família, de tudo. Paco, o filho e seu cuidador, percebeu que quando cantava voltava a recuperar a mãe, que se lembrava das letras todas das coplas da sua juventude. Resolve então criar o projeto terapêutico "Flamenco para recordar", um processo de conviver com doentes de Alzheimer de forma menos dolorosa e aderir a vivências comuns. Ao projeto juntaram-se cuidadores e doentes, obtendo resultados muito satisfatórios.
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A protagonista da comovente história quis ser bailaora desde criança, mas as circunstâncias impediram, e a vida de Carmen foi passando sem que nunca tivesse realizado o sonho. Quis alguma pressão materna que o filho acabasse por seguir o sonho da mãe, até à chegada do Alzheimer que obrigou Paco a abandonar as digressões e os palcos. Deste projeto resultou um primeiro espetáculo, "Flamenco para recordar, coplas del recuerdo".
Este ano, Carmen pôde por fim realizar cumprir o seu desejo: levantou-se da cadeira de rodas e e dançou em palco. A peça tinha quatro personagens: Paco, Carmen, Carmencita e Carmen 50. As duas últimas são o alter ego do primeiro em visões infantis e adultas.
A produção estava dividida em três partes conceptuais: "dor", "aceitação" e "convivência". A história deu também origem a um documentário, "En mis zapatos", de Pedro Morato. Apesar de só se ter tornado público ontem, Carmen Mora morreu a 5 de maio em Cáceres, cidade da Estremadura espanhola onde vivia.