
Sebastião Salgado
Foto: JOEL SAGET/AFP
Fotógrafo brasileiro morreu aos 81 anos, em Paris. Deixa projetos monumentais como “Êxodos” (2000) e “Génesis” (2013).
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“Você não fotografa com a sua câmara. Você fotografa com toda a sua cultura”, disse Sebastião Salgado, ícone brasileiro da fotografia mundial desaparecido ontem, em Paris, aos 81 anos, vítima de sequelas de malária contraída nos anos 1990. “A câmara é apenas o começo de um processo. O essencial é o tempo, é a escuta, é a presença”. Salgado esteve presente – nos confins da terra, nas bordas da dignidade, nos interstícios daquilo que muitos não querem ver. O seu olhar não era neutro, era ético e uma ferida aberta.
Nascido em Aimorés, no coração de Minas Gerais, a 8 de fevereiro de 1944, cresceu entre o verde húmido das serras e o silêncio da terra trabalhada à mão. A infância rural moldou-lhe o passo, ensinou-lhe que o tempo não se precipita e o essencial não grita. Mais tarde, foi a Economia que o levou à Universidade de São Paulo e a Paris, onde se doutorou.
Mas foi o amor por Lélia Wanick, a mulher com quem partilhou vida e obra, que o levou a outra linguagem. “Ali, naquele momento, eu entendi que o meu caminho era outro. Eu precisava ver, precisava testemunhar”. E foi assim que largou a linguagem dos números para se embrenhar na gramática crua das imagens. A fotografia entrou-lhe no corpo como um chamamento. E ele respondeu com entrega total, criando obras que são atlas humanos, em que cada projeto é uma travessia, cada retrato é um pacto.
O registo do atentado ao presidente Ronald Reagan, em 1981, deu-lhe visibilidade internacional, mas foi na lentidão dos grandes ciclos documentais que Salgado encontrou a sua voz. Não perseguia a notícia; cultivava o testemunho. Em projetos monumentais como “Trabalhadores” (1993), “Êxodos” (2000) e “Génesis” (2013), Salgado opera num território híbrido entre o jornalismo social e a espiritualidade visual. Era um fotógrafo que se deixava moldar pelos lugares. Ficava, voltava, sentava-se com os seus retratados.
Fotografava a preto e branco, não por nostalgia, mas por necessidade. “A cor distrai. O preto e branco aproxima. Aproxima da alma”. Essa escolha revela a urgência de dizer, de tocar fundo – o que procurava não era o belo, mas o essencial: o rosto humano nas suas cicatrizes, o planeta nas suas entranhas.
“Eu não tiro uma foto, eu recebo uma imagem”. E quem vê o seu trabalho compreende. Salgado nunca capturou: acolheu. O seu ato fotográfico era um gesto de escuta, uma forma de se fazer pequeno diante do outro. Por isso, os seus retratos não são invasivos. São íntimos sem serem intrusivos e duros sem serem cruéis.
Um olhar humanista
O seu olhar era político. Não porque gritasse slogans, mas porque denunciava estruturas. Fotografou a fome, a migração, a destruição ambiental. Mas não se ficou pela denúncia, apontou caminhos. “Génesis” é um exemplo da sua cartografia da esperança, que ganhou forma concreta no Instituto Terra. Ao lado de Lélia, recuperou hectares inteiros de floresta, plantou milhões de árvores, devolveu vida ao que parecia irremediavelmente morto. “Reflorestar é uma forma de pedir perdão”, disse. Talvez essa tenha sido a sua mais radical fotografia: devolver ao Mundo aquilo que lhe foi arrancado.v

