Lagoa, no concelho de Fafe, recebe todos os anos romeiros que fazem filas intermináveis enquanto esperam pelo ritual da imagem da santa.
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Atradição perde-se na memória dos mais antigos habitantes das ermas e agrestes serranias do Norte do concelho de Fafe, onde se situa o pequeno lugar da Lagoa. Estas terras, praticamente despovoadas, mas que mantêm o cunho próprio dos poucos resistentes que lutam contra todas as vicissitudes num quotidiano feito de pesados labores, enchem-se de um povo alegre que chega oriundo um pouco de todo o Norte do país, mas essencialmente das terras do Ave e da região de Basto, para "tirar o diabo".
O acto simbólico é muito simples. Os romeiros formam intermináveis filas à porta do santuário para, um a um, se acercarem da imagem de Nossa Senhora das Neves. Aí, um voluntário da Irmandade vai colocando a base da imagem na cabeça dos peregrinos, que daí regressam ao terreiro para assistir à missa ou dirigir-se para os imensos locais de comes e bebes que naquele dia preenchem os arruamentos do recôndito lugar, onde confinam as freguesias de Aboim e Várzeacova.
Na última sexta-feira do mês de Agosto, a montanha é serpenteada por centenas de autocarros que, carregados de romeiros, afluem às imediações do Santuário de Nossa Senhora das Neves.
O culto é antigo, a primeira referência surgiu no início do século XVIII, e as lendas que o suportam são várias e díspares. O padre António Coelho de Barros, capelão do santuário e decano dos sacerdotes da região, é a pessoa viva mais avalizada para explicar esta manifestação popular de raízes imemoriais.
"Esta tradição deve ter surgido para purificar os cultos que aqui existiam que eram um misto de rezas, bruxedos, arteirices de charlatães e defumadouros", diz o pároco, na obra de Artur F. Coimbra, "Fafe, a terra e a memória", (1997). Para aquele pároco, estes actos dos romeiros são "a expressão viva duma fé esclarecida, semelhante às dos outros santuários", aqui não vendo qualquer ritual pagão que saia da esfera do que é tradicionalmente aceite pela Igreja Católica.
O padre Barros aconselha sempre os fiéis a rumarem à Lagoa porque acredita que o Diabo existe, embora assuma nunca o ter visto.