Sérgio Godinho chega esta segunda-feira aos 75 anos e celebra a data com público, no palco, em Lisboa. Ao JN, confessa que voltar a atuar é como "voltar a respirar".
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Sem Sérgio Godinho, seriam outras as nossas canções de amor e contestação, e outros os nossos hinos à liberdade. "Só se pode querer tudo quando não se teve nada. Só quer a vida cheia quem teve a vida parada", escreveu em 1974, ao mesmo tempo que ia cravando na música os pequenos passos que íamos trilhando em democracia.
Sem Sérgio Godinho, compositor e cantor, poeta e escritor, figura portuense e de proa da música portuguesa, o país teria sido mais magro porque menos biografado. Como naquele "Primeiro dia", que cantamos desde 1978. "Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo, dá-se a volta ao medo e dá-se a volta ao mundo (...) E vem-nos à memória uma frase batida, hoje é o primeiro dia do resto da tua vida."
Na vida de Godinho, começa esta segunda-feira o ano 75, data que será celebrada, às 21 horas, no palco do Teatro Maria Matos, em Lisboa. Voltar aos palcos, diz ao JN, "é voltar a respirar, é voltar a pôr em movimento o sangue que temos dentro". Faltava-lhe "o gozo de um concerto ao vivo e a cumplicidade que se gera entre músicos e público". Inversamente, cansava-se das restrições. "Foi-nos negado, de maneira súbita e dramática, a possibilidade de atuar. Isso teve muitas consequências, também financeiras."
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25 de Abril no Porto
Na lista de concertos cancelados, destaca-se o da véspera de 25 de abril, na Avenida dos Aliados, no Porto, entretanto reagendado para 2021. Nesse dia, poderia ter percorrido todo o seu repertório, mas nunca teria partilhado "O novo normal", composto durante o confinamento. "No novo normal caem corpos à sorte em valas comuns, num silêncio de morte cortado somente por soluços distantes. Longe vão os tempos de ser como dantes." É o retrato de um mundo que agora é isto e depois não se sabe o que será. E é o primeiro tema original desde que, em 2018, lançou o álbum "Nação Valente".
Durante o isolamento, Sérgio Godinho, 50 anos de estrada, atirou-se também à escrita do terceiro romance, ainda sem nome, que há de suceder a "Coração mais que perfeito" (2017) e "Estocolmo" (2019). Está também a escrever uma canção para Camané, depois de já ter escrito a letra de "Tudo no Amor", para os Clã.
Não é diferente do que fez no isolamento de outrora, antes da liberdade, quando, ainda longe - primeiro na Suíça, depois em Paris, onde viveu o maio de 68 -, corria o ano de 1971, participou no álbum de estreia de José Mário Branco, "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", para o qual contribuiu com quatro poemas. "Entre a rua e o país vai o passo de um anão, vai o rei que ninguém quis, vai o tiro dum canhão e o trono é do charlatão."
No mesmo ano fez a sua estreia, num pingue-pongue entre a autorização e a interdição do trabalho. "Os Sobreviventes" acabaria eleito o melhor disco do ano, o que não o demoveu de ir viver para o Canadá. Regressa depois da revolução, trazendo com ele "À Queima Roupa", que até hoje faz dele presença obrigatória no mês da liberdade. "Vivemos com o peso do passado e da semente, esperar tantos anos, torna tudo mais urgente. E a sede de uma espera só se estanca na torrente."
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O concerto desta segunda-feira no Maria Matos tem mais três datas: na terça-feira, 15 e 21 de setembro. Em todos, o músico promete "algumas canções menos tocadas" e "aquelas de sempre", na companhia dos músicos Nuno Rafael, Miguel Fevereiro, João Cardoso, Nuno Espírito Santo e Sérgio Nascimento. No entanto, as datas já estão todas esgotadas, a fazer lembrar a última vez que Godinho atuou ali, em 2007, para esgotar cinco concertos de gravação do álbum ao vivo "Nove e Meia no Maria Matos?", que inclui temas que colaram gerações sucessivas em Portugal. "Para lá do que muito se amou, quem éramos nós, quem queríamos ser, e quais as esperanças que a vida roubou. E olhei-o de longe e mirei-o de perto, que quem não vê caras não vê corações. E com um brilhozinho nos olhos guardei um amigo, que é coisa que vale milhões. E o que é que foi que ele disse?".