Série “Families Like Ours”, do aclamado Thomas Vinterberg, estreia-se nos canais TVCine
Autor de filmes de culto como “A Festa”, produção número 1 do manifesto Dogma95, que lançou com Lars von Trier, “A Caça” ou “Mais Uma Rodada”, que lhe valeu um Oscar e teve de filmar apenas alguns dias depois da morte da filha, num acidente, o dinamarquês Thomas Vinterberg esteve em Lisboa, no LEFFEST.
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A ocasião foi o lançamento da série “Families Like Ours”, que pode ser vista a partir da próxima terça-feira, dia 19, nos canais TVCine. São sete episódios de génio, sobre o “fecho” da Dinamarca, antes do país ser submerso pelas águas, devido à crise ambiental. Sem país, nacionalidade ou moeda, os seus habitantes têm de procurar exílio. Para quem tenha menos recursos, os serviços sociais podem arranjar um apartamento partilhado com mais oito pessoas, nos arredores de Bucareste… Thomas Vinterberg falou ao JN.
Quando se começa a ver a série pensa-se que é tão óbvia, mas ninguém tinha pensado neste conceito.
Quando tive a ideia, era menos óbvia. Foi há sete anos. Era mais experimental e menos plausível. Foi rejeitada pelos meus amigos. É como quando apresentamos uma nova namorada. Toda a gente dá a sua opinião e começamos a ter dúvidas.
De onde lhe veio então a ideia?
Estava em Paris há algum tempo a trabalhar e queria ir para casa, sentia falta da minha família. Comecei a pensar: e se tudo o que tinha em casa se perdesse? Se fôssemos nós a tornar-nos refugiados? Penso que tive essa ideia por passar o tempo todo num hotel.
Hoje o conceito parece-lhe mais realista, mesmo plausível?
Possível, não creio. Mas parece mais credível hoje, sobretudo depois da pandemia. Abriu uma porta, emocional, entre os espetadores e a história. Quando a escrevemos, parecia uma coisa extraordinária, mas depois reescrevemos alguns aspetos da história, porque algumas das nossas cenas eram exatamente o que víamos nas notícias. Veja as inundações em Valência. Há alguns paralelos entre a série e o que vemos no mundo.
A série já começou a ser emitida na Dinamarca, quais têm sido as reações?
A série tem sido vista por muita gente. As críticas têm sido excelentes, há quem diga que é a melhor série dinamarquesa de sempre. Mas há também outras opiniões..
E se fosse a Dinamarca a ter de albergar cidadãos de outros países vizinhos?
A resposta é a forma como a Europa tem reagido nos últimos anos. Com os refugiados sírios, por exemplo. Quando escrevemos a série, praticamente todas as fronteiras na Europa estavam a ser fechadas. A Europa está a mostrar uma enorme falta de solidariedade. Viu-se isso com a crise de refugiados e também com a pandemia.
O que se passa em França, em Itália ou na Alemanha aparece nos jornais, mas a situação na Dinamarca é menos mediática.
Somos parecidos. A Dinamarca tinha uma reputação, durante a Segunda Guerra Mundial, de ajudar os judeus a fugir para a Suécia. Mas essa reputação de um país disposto a ajudar os outros reverteu-se quando os sírios começaram a aparecer e fechámos as fronteiras.
Há uma forte mensagem política na história.
Eu quis levantar um debate sobre os refugiados e sobre o ambiente, mas não quis colocar a minha opinião. Considero esta história como um laboratório. Que investiga oito seres humanos em particular e a situação deles num momento de crise. Desvalorizamos um objeto artístico quando vem já com uma mensagem política.
Vemos alguns rostos conhecidos, mas a atriz que interpreta a personagem de Laura é uma estreante e é fantástica. Como é que a descobriu?
Através de um longo processo casting. E ela tinha aquele talento todo. Depois de a contratar descobri que o pai era Bille August, e que duas irmãs também eram atrizes. Mas ninguém me disse nada. Sinto a falta deles todos os dias. Mas estou casado com a que interpreta o papel da Amalie. É minha esposa e pastora luterana.
Precisamente, pode falar um pouco do papel da religião na história?
A religião está presente, por várias razões. Nos tempos de uma crise como esta, as pessoas têm de colocar a esperança num lado qualquer. A fé faz parte desse processo. A esperança e a fé andam lado a lado. É natural que a religião entre na nossa história.
E no seu caso pessoal, qual a relação com a religião?
Na nossa vida, não decidimos se temos fé ou acreditamos em Deus. Ou acreditamos ou não acreditamos. Mas podemos refletir sobre essa questão. É o que faço muitas vezes. Sendo casado com uma pastora e tendo perdido a minha filha. É algo que está na minha mente, por isso é que está na série.
Já fez filmes tão extraordinários, porquê uma série e não um filme?
Coloquei essa questão a mim mesmo. Mas achei que a duração conferia uma certa gravidade à história. É uma saga. Estamos a abandonar um país. Num filme não haveria tempo para ver como é que as personagens se iriam reinventar. Só veríamos a perda da vida, não a reconquista da vida.