"Casa Vale Ferreira" inaugura esta quinta-feira na Casa de Serralves, no Porto. Os artistas João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira quiseram fazer um manifesto e casam esta quarta-feira.
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A dupla de artistas João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira casa oficialmente esta quarta-feira, após décadas de namoro. "É um statement artístico e político, dissemos que só íriamos inaugurar a exposição legamente casados, portanto a partir do dia de hoje as obras pertencem-nos aos dois", dizem ao JN. As obras fazem parte de uma exposição antológica intitulada "Casa Vale Ferreira" que ocupa a Casa de Serralves, no Porto, que foi habitada nos últimos anos pela Coleção Miró.
A mostra de Vale e Ferreira celebra mais de duas décadas de trabalho conjunto, integrando uma seleção de obras produzidas ao longo desse período.
Vista uma peça da exposição
Logo a abrir a exposição há um charriot redondo gigante, com cerca de 100 casacos pendurados. Todos eles foram intervencionados pela dupla, cada um deles é dedicado a um artista que admiram e cada um dos visitantes pode visitar o casaco preferido e deambular pela exposição com ele.
"Esse lado performático sempre nos interessou portanto queremos que as pessoas cheguem e vistam a personagem com que mais se identificam". Entre as escolhas, pode optar por nomes Susan Sontag, Oscar Wilde, Cazuza ou Gisberta, tudo nomes relevantes da cultura LGBTQI+.
No meio do hall está instalada uma escultura de areia em forma de farol gigantesco, como explicou Inês Grosso, curadora chefe: "Um farol é algo que se olha quando se espera um guia, mas também não deixa de ser uma figura fálica que está neste caso a decair", diz a responsável.
Noutra das salas, a primeira onde João Pedro Vale fez uma exposição em Serralves, instalaram uma parede de amarelo pálido e fitas magenta, as cores das meias dos toureiros. No meio está uma filmagem de "Festa Brava", uma performance onde apareciam vestidos de forcados, mas com saltos altos e tomavam os visitantes como touros, numa festa da discoteca Lux.
Mais tarde, a performance foi replicada no Parque Monsanto, em Lisboa, um local dedicado às trabalhadoras do sexo, explicou João Pedro Vale.
Provocações em série
No primeiro andar está montada a instalação "Hero, captain, stranger", que foi o cenário de um filme pornográfico gay que a dupla resolveu apresentar no que era então o Cinema Paraíso, em Lisboa, agora chamado Cinema Ideal.
João Pedro explica: "Na altura foi um escândalo, com várias pessoas a abandonarem a sala, pensavam que era uma provocação nossa".
Esta instalação é baseada no ensaio de Jenniffer Doyle "Moby Dick's boring parts". João Pedro esclarece: "A pornografia é super aborrecida, como as partes hiperdescritivas de Moby Dick, não há metáfora nenhuma".
Roubos e decadências
Numa outra sala desta "Casa Vale Ferreira" está instalado um ginásio. Entre várias obras, tem uma tabela que tem escrito um sugestivo "Lick my balls". Há também um trampolim negro com a inscrição "we all feel better in the dark", ou halteres com o camuflado do exército que dizem "Don't ask, don't tell", a célebre frase do exército norte-americano onde se pode ser homossexual, só não se pode assumir nem falar disso.
Na escadaria há uma série de sapatos escarlate brilhantes pendurados, que podem ter vários sentidos - como o mais usual, de localização de venda de droga, ou uma correlação entre a morte de Judy Garland, a Dorothy do "Feiticeiro de Oz" e os motins de Stonewall.
Dorothy é uma personagem habitual no imaginário destes artistas, na sua época nova-iorquina, numa das portas estão também as pernas e os seus sapatos com a inscrição nas solas "There´s no place like home" que batem duas vezes.
Na parte inferior da Casa de Serralves, o visitante pode roubar garrafas da água milagrosa de São Bento, que foi vendida pelos artistas, num postigo com vista para São Bento ou observar como apodrecem os bolos numa pastelaria ali montada. A decadência e o bolor também têm a sua beleza e até novembro terão muita mais.
No final da mostra há um tapete de pastilhas elásticas que diz "Please don't go", onde pode mastigar e colar a sua pastilha. Na saída há um neon de luz a piscar. Diz: "Coragem portugueses, só vos falta ser grandes".
"'Casa Vale Ferreira' faz parte da estratégia de Serralves em apoiar artistas portugueses, nascidos nos anos 70, nos pós 25 de abril, como a Carla Filipe ou a dupla João Maria Gusmão e Pedro Paiva", sintetiza a curadora Inês Grosso. "Serralves tem desempenhado um papel fundamental na organização de grandes exposições, muitas vezes antológicas, que dão a estes artistas nacionais a merecida visibilidade que um grande museu proporciona", conclui.
A exposição do João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira inclui uma série de performances e programas paralelos no segundo semestre do ano e ainda a publicação de um livro sobre esta primeira antológica dos artistas.
Numa outra sala está montado um urinol gigante que é uma homenagem aos Poetas de Sodoma, quando foram mandados queimar livros de Judith Teixeira, António Botto e Raul Leal pela Liga dos Estudantes Católicos, em 1923, que, não contentes com o desfecho que o Governo Civil de Lisboa deu à sua queixa, foi às livrarias e confiscou todos os livros, ainda antes do tempo do novo regime de Salazar.
No quarto de banho há também cheiros específicos feitos para a mostra e um roupão que diz "One night stand".
A exposição pode ser visitada a partir desta quinta-feira e até dia 17 de novembro.