A proibição de venda de livros ameaça ter consequências devastadoras. A APEL acusa os livreiros independentes de "quererem viver à conta dos subsídios".
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É mais um grito de desespero do que de alerta aquele que chega dos representantes dos livreiros e editores: o setor "está a um pequeno passo do colapso". Com as livrarias encerradas há três semanas, e sem perspetivas de abrirem no imediato, há toda uma cadeia de abastecimento que já está a ser posta em causa e ameaça a própria atividade editorial, custando largos milhares de postos de trabalho.
A advertência é feita pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, cujo presidente, João Alvim, acredita que "o pior está ainda para vir". "Muito em breve, as livrarias vão devolver os livros que não conseguiram vender, por estarem fechadas, o que vai colocar sérios problemas às editoras. O seu plano de publicações está seriamente comprometido", assegura.
A proibição total da venda de livros, exceto online, é contestada por (quase) todos. A única voz favorável é a da RELI - Rede de Livrarias Independentes, que afirma, através do seu presidente, José Pinho, que "neste momento, o combate à pandemia deve ser a prioridade". Ainda assim, o proprietário da Ler Devagar reconhece que "se o confinamento se prolongar, as livrarias vão acabar por ir todas à falência".
Uma situação "absurda"
A atual crise veio deixar ainda mais evidentes as profundas divisões no setor. De um lado, a APEL, que afirma representar 95% do mercado, e do outro, os pequenos livreiros, agregados na RELI. São estes que estão na mira de João Alvim, acusados de "quererem viver à conta dos subsídios estatais" e de terem influenciado o Governo a optar pela proibição total da venda de livros. "Temos um Ministério da Cultura que apenas escuta uma associação representativa de uma parcela ínfima do setor. Não fomos auscultados uma única vez. Estamos a ser claramente ostracizados", diz.
Para evitar uma suposta "concorrência desleal", o Governo estendeu, nas últimas semanas, a proibição de venda de livros a espaços como os supermercados ou bombas de gasolina, que representam um quarto do mercado. A decisão tem dado azo a situações, no mínimo, bizarras, como a venda de rolos de papel higiénico nas áreas que até há pouco vendiam livros. Por outro lado, se um cliente se deslocar a uma Fnac ou um El Corte Inglés, irá constatar, não sem algum espanto, que lhe é permitido comprar tudo quanto ali está à venda, de telemóveis a computadores e discos, mas não livros, cuja zona de venda está vedada.
Para Maria do Rosário Pedreira, editora da Leya, a atual situação roça "o absurdo": "Se nos supermercados podem entrar x pessoas por metro quadrado (e numa frutaria, mercearia, drogaria, talho, a mesma coisa), porque não podem as livrarias abrir e ter as mesmas regras de segurança? Sei que é mais fácil ao poder ter uma população ignorante para a dominar mais facilmente, mas já passaram muitos anos sobre o tempo da outra senhora".
As reminiscências com um passado já remoto são também destacadas pelo vice-presidente da APEL Pedro Sobral, que confessa "nunca ter imaginado em pleno século XXI ver livros por baixo de sacos de plástico como se fossem lixo ou bens tóxicos".