Estreia a solo do fundador de Sons of Kemet é um novo capítulo na expansão do músico britânico. Disco “Perceive its beauty, acknowledge its grace” tem colaborações de André 3000, Floating Points e Laraaji.
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Shabaka Hutchings é a epítome do músico contemporâneo – vasto como o globo na multiplicidade de projetos, referências e cumplicidades. Esteve no centro da nova vaga de jazz londrino, ao lado de nomes como Nubya Garcia, Moses Boyd ou Kamaal Williams, introduzindo elementos de eletrónica, afrobeat e ritmos caribenhos, além de associar o discurso político ao género.
Move-se entre músicos de formação clássica, heróis da world music e o hip hop de fronteiras abertas. Em “Perceive its beauty, acknowledge its grace”, primeiro disco a solo, concentra esforços nas flautas – mas há todo um cosmos a enquadrá-las.
Não deixa de ser um álbum erguido sobre destroços: para que existisse, foi preciso Shabaka interromper a sua relação com o saxofone, que é, com o clarinete, o seu instrumento base; o que significou interromper os seus projetos mais aclamados até à data: Sons of Kemet e The Comet is Coming, bandas emblemáticas do movimento de fusão londrino. Mas não interrompeu o sopro: desviou os lábios para flautas como o shakuhachi (peça japonesa em bambu), o svirel (de origem russa) ou a quena (de proveniência andina).
Mais próximo da abstração new age do que da materialidade do jazz, mais espiritual do que interventivo, o álbum reúne um ensemble de colaboradores que desenha a vasta paleta de interesses e imbricações de Shabaka: do pianista jazz sul-africano Nduduzo Makhathini ao rapper André 3000 (Outkast); do produtor de eletrónica Floating Points ao gerador de ambientes Laraaji (antigo parceiro de Brian Eno); passando por vários harpistas, percussionistas e baixistas, além do próprio pai, Anum Iyapo, cantor dos Barbados que diz poesia no tema final, “Song of the motherland”.
É um ensaio suave e introspetivo, às vezes pastoral, como na abertura, “End of innocence”, às vezes pungente (“Body to inhabit”), aproximando-se da balada pop-jazz (“Kiss me before I forget”) ou assumindo a vertente experimental e de improviso (“I’ll do whatever you want”). É Shabakha Hutchings a expandir-se, como verdadeiro glutão dos sons do planeta.