Silvana Estrada: "Já cantei amor e desamor, o próximo álbum será sobre solidão"
As referências com que cresceu, o que é ser mulher na indústria da música e como vai ser o próximo disco. Silvana Estrada, vencedora de um Grammy Latino, tem três concertos ao vivo no nosso país. E falou com o JN.
Corpo do artigo
A mexicana Silvana Estrada sente ter nascido entre a música. Com o pai contrabaixista e a mãe clarinetista, ambos construtores de instrumentos, é também com o Son Jarocho, música tradicional da sua terra natal, que diz assentar a sua forma de, hoje, cantar.
Depois de se ter estreado em Portugal no verão de 2022, e agora com um Grammy latino na estante, a cantautora retorna a Portugal esta quinta-feira, no Festival Imaterial, em Évora. Sábado atua no Teatro de Vila Real e fecha domingo no Cine Teatro Constantino Nery, em Matosinhos. .
À distância de cinco meses, como olha para o ano passado?
2022 foi um ano de muito trabalho e muito exigente. Sinto que os últimos meses foram o processamento de tudo. Fiz uma tour de oito meses na Europa, nos Estados Unidos, sinto que fiz todos os festivais na Espanha, ganhei um Grammy, estive em Las Vegas por uma semana... Quando se entra neste ritmo, tem que se descansar, principalmente a nível criativo. Quando se está muito cansado é difícil voltar à criatividade e à vontade de sentar e escrever. Agora chego a casa e durmo o dia todo.
Mas já está a ser trabalhado o próximo álbum?
Sim. Na verdade são músicas que escrevi na pandemia e é um álbum que quero trabalhar durante este ano, já que gostaria de lançá-lo no próximo ano. É um álbum importante para mim porque o escrevi quando comecei a aprender a tocar viola - que levo agora para todos que concertos, ainda que toque muito mal (risos). Mas sou nova nesse instrumento e este novo disco é quase todo com viola e isso emociona-me. Além de ser um álbum principalmente sobre solidão. Já cantei amor e desamor, agora será sobre estar comigo mesma, mas em paz, de uma forma introspetiva mas simultaneamente positiva e animada.
Como é a reação do público português às suas atuações?
Há algo na música que quando é cantada desta forma simples é muito honesta - e acho que também é algo muito característico do folclore. A dor ou o choro por trás da música é tão evidente que não é preciso perceber a letra para sentir o que se quer transmitir. Mas em Portugal soma-se a língua semelhante, que ajuda a exacerbar o sentimento. Portugal é um ótimo lugar para atuar porque as palavras são compreendidas, mas, ao mesmo tempo, também há a questão de os portugueses serem muito sensíveis ao folclore. Portugal tem uma cultura semelhante connosco em termos de folclore e entende esta ligação à simplicidade e à honestidade na música. Vocês têm um folclore super maravilhoso, do Fado à música madeirense, por exemplo.
A simplicidade da música tradicional da sua terra natal, que refere várias vezes, influenciou a forma como hoje se apresenta criativamente?
Sem dúvida. Para mim foi muito importante crescer neste ambiente da música tradicional da minha cidade, chamada Son Jarocho, que é tão natural e orgânica. Desenvolvi muito gosto e força para cantar organicamente. Agora tenho um microfone, mas por muito tempo cantei na minha terra, rodeada da comunidade, em conjunto com todas as pessoas, sem micro, sem ajudas, apenas a voz. E isso educou minha voz para ser de uma certa maneira. Que, aliás, também me lembra muito o Fado.
O seu primeiro álbum, "Lo Sagrado", foi uma coprodução com Charlie Hunter. Como é criar sozinha e como é criar em coautoria?
Eu acho que é muito diferente produzir sozinha, porque te deixa mais à vontade e dá muito mais trabalho. Eu sinto que fico o tempo todo certificando-me que está tudo bem, e quando trabalhas com outra pessoa relaxas um pouco e não podes, nem queres, ter tanto controlo. Então podes concentrar-te em cantar. Mas para coproduzir com alguém precisas ter muita confiança na pessoa.
Uma das músicas que marca o seu lançamento internacional é o "Si me matan", acompanhado de um vídeo que apela à luta contra a violência de género. Era inevitável, além de uma cantautora romântica, ter uma dimensão política e social?
Acho que era muito necessário falar sobre o tema. No México é um tema muito forte e, como mulher, tocou-me muito, principalmente nos primeiros anos da minha carreira. Eu viajava sozinha com os meus instrumentos pelos bares de todo o pais, numa época em que era muito perigoso viajar pelo México e ser mulher. Acredito que cantar uma música de relevância social é um ato de honestidade. Eu nunca quis cantar coisas que eu não entendo bem, percebes? Toda a minha música é honesta e de acordo com o meu processo em cada momento da vida. E a violência de género também fez parte do meu processo. E o feminismo também fez parte do meu processo de ser mulher. Não podia deixar de canta-lo.
Como olha para as inspirações femininas e que influência tiveram em si?
Ter voz no palco como mulher, sem ter de mostrar o corpo ou algo mais do que a voz, isso raramente é falado, mas é uma grande vitória das cantautoras. Acho que a representatividade foi muito importante para mim e é importante para qualquer menina. Penso nas minhas avós, que cantavam maravilhosamente bem, ou na minha mãe, que é uma grande clarinetista, e que não tinham nenhuma representação feminina no mundo da arte. Se tivessem tido um exemplo a seguir e uma oportunidade igual a muitos artistas homens, provavelmente a vida delas, a carreira delas, teria sido diferente. Felizmente eu já cresci com esses exemplos e essas oportunidades e sinto-me muito grata, e, ao mesmo tempo, sinto a responsabilidade de, agora, ser essa pessoa para outras meninas.
Que conquistas feministas na indústria musical sente que já teve o privilégio de ter?
Há coisas que me dão muito orgulho. Eu sou uma artista independente, lutei pelo meu contrato com a minha gravadora, que é independente. E sinto que tenho condições que muitas mulheres não tiveram, mas que estão mudando. As artistas que eu vi na minha infância não eram donas das suas criações, tinham de se sujeitar a contratos muito duros e injustos. Agora tenho orgulho de saber que vou ser um exemplo para a nova geração. Um exemplo de quem é dono das suas coisas. Essas conquistas fazem parte da História.