Dia de afetos e saudades, estranho, o deste domingo, em que faltou a magia própria do Pina, que transformava em delícias momentos em que garantia nada ter a dizer, como este, o de entrar no septuagésimo ano de vida.
Corpo do artigo
Homenagem é título de um livro alheio, cujos contornos, na velha Redação do JN e com detalhes hilariantes, Manuel António Pina muito contava entre amigos. Pois foi ele este domingo o homenageado, no Museu Nacional da Imprensa, no Porto, no dia em que completaria 69 anos. "Como dirias, hoje entro no meu septuagésimo ano", leu a filha mais nova, Ana, dirigindo-se ao poeta e jornalista que nos deixou faz hoje um mês.
Tarde de muita gente, amigos e admiradores (uns e outros misturam-se), algum improviso e momentos tocantes, como o pequeno filme realizado por Joana Rodrigues, em que fotos de Pina contavam uma história que tinha como pano de fundo as vozes do próprio e de Álvaro Magalhães e Germano Silva ou o texto da filha Ana, em nome da família, declaração de amor por todos os homens bons que nele coexistiam. "Eras mais natureza do que ciência", disse, dirigindo-se àquele que foi "vil, violenta e precocemente roubado à nossa presença".
A iniciativa do museu, que arrancou pela manhã, com leitura de poemas em estações e composições do metro, passou ainda pela inauguração da exposição "A luz das palavras", que o diretor da instituição, Luís Humberto Marcos, garantiu não ter sido feita a correr, apesar de preparada em três semanas. Isso, em função do prazer que suplantou o esforço (honrar alguém que era "a lucidez trazida para a opinião pública") e da ajuda de parentes e amigos (caso dos trabalhos do pintor e jornalista do JN Agostinho Santos, expostos paralelamente).
"Aniki Bóbó", livro de Pina sobre o filme de Manoel de Oliveira inédito em Portugal, foi lançado no decurso do evento. O escritor, que havia feito o trabalho em resposta ao desafio lançado pelo British Film Institute a uma centena de escritores (Salman Rushdie é exemplo sonoro), ainda viu as primeiras provas do trabalho, dado à estampa pela Assírio & Alvim.
Poemas foram lidos pelo académico Arnaldo Saraiva e pelo ator Isaque Ferreira. Imagens, objetos pessoais, manuscritos, pequenas edições de autor, livros, muito papel de jornal com alma... enfim, a massa de que se faz uma exposição que pode ser vista até maio e preenche um pouco o vazio que também no JN se sente, como nota o diretor, Manuel Tavares: "O que nos falta quando, à noite, esperamos o texto do Pina, como se ele tivesse de regressar a casa".