
Palmilha Dentada encontrou na luz o dispositivo de paródia
Júlio Eme
"12 efeitos de luz" da Palmilha Dentada faz paródia sobre discursos teatrais e temas do presente.
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Um homem dialoga consigo mesmo enquanto dá milho aos pombos. Ou um homem imagina-se a dar milho aos pombos enquanto puxa atrás o filme da sua vida. Mas também podem ser dois homens, apanhados numa frequência comum, que dialogam sobre a melhor forma de viver e de alimentar os pombos. Qualquer hipótese é válida e teorizar sobre o assunto é oferecer um alvo aos Palmilha Dentada para que exercitem o seu humor. Porque esta companhia conhece os conceitos, os géneros e os discursos da arte teatral - e não resiste a gozar com eles.
Em "12 efeitos de luz", espetáculo escrito e encenado por Ricardo Alves e interpretado por Ivo Bastos, que contracena com a voz-off de Rui Oliveira, os Palmilha encontraram na luz o seu dispositivo de paródia. Os vários efeitos de iluminação utilizados no teatro, como "contra luz", "silhueta", "lateral, "recorte" ou "indireta", acompanham o discurso de Faustino, que remói sobre a amizade, a justiça, o arrependimento ou as relações amorosas. Mas sempre que a reflexão se aproxima de uma perigosa seriedade é sabotada pelo escárnio ou pela conversa sobre os pombos. Temas da atualidade também desfilam, mas sempre sob esse olhar de derisão. Faustino diz que se encontra no meio de duas gerações: entre a que tinha emprego para a vida e a que tem uma vida no desemprego. "Nem sou feliz, nem me posso queixar." Já o especialista em pombos resmunga que não consegue ter uma vida com a reforma de 3500 euros.
Até as questões neo-coloniais perpassam, mais uma vez à conta dos pombos. Diz a voz-off que eles se adaptam a qualquer clima e geografia. E acrescenta Faustino que eles foram levados pelos europeus para a América do Sul, juntamente com "a escravatura, a varíola e a gonorreia". Os temas estão lá, tratados com humor mas deixados à consideração do público. O aspeto mais sério do espetáculo, que chega a gozar com o seu próprio dispositivo - "agora vem o efeito "o gobo": não é nada de especial" -, talvez sejam as cadências musicais criadas por Manel Cruz, Elísio Donas, Kinorm, Peixe e Nuno Prata.
