Livro de crónicas de André Domingues explora a “melancolia invencível” por trás do postal turístico.
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André Domingues não esconde o jogo: “Charles Baudelaire escreveu ‘Spleen de Paris’, Francisco Umbral escreveu ‘Spleen de Madrid’ e eu quero descrever o spleen do Porto”.
Para captar o “exato momento em que a beleza e a melancolia se abraçam para elevar a cidade a género literário”, o autor portuense, nascido em 1975, transforma-se em flâneur, esse deambulador poético que Walter Benjamin elevou a arquétipo da modernidade.
É desses passeios, nem sempre físicos, que resultam as 45 crónicas de “Porto ou a insurreição do olhar”, título que remete para um poema de Eugénio de Andrade, outra das figuras tutelares do livro.
Escritos para o site “Correio do Porto” entre 2015 e 2018, são textos que se desviam totalmente de uma ideia de “guia”, explícitos na sua localização e descrição de lugares.
Revelam antes um Porto digerido por quem lá vive há décadas e o relaciona com leituras, memórias, figuras, meteorologia. Um Porto que escapa meticulosamente aos clichés da promoção turística. Mas que produz um encanto universal em noites de nevoeiro: “O Porto é belo na luz e nas trevas, mas é quando o nevoeiro se instala que, paradoxalmente, a cidade se torna mais visível”.
Há paixões concretas por lugares, também eles pouco evidentes para o visitante: “Estou a amar um edifício. É o edifício com mais elegância e caráter que a cidade tem. Fica na Rua dos Bragas, uma rua severa e estreita”.
Outras vezes, a toponímia serve apenas de alavanca para reflexões, como em “Rua da Meditação”, em que Domingues revela a sua faceta mais crítica sobre o estado do Mundo.
Mas há sobretudo um deslumbramento – conscientemente ampliado, porque o autor sabe que “a vantagem de amarmos mais a imagem de uma coisa do que a coisa propriamente dita é que as imagens podem exorbitar o que representam e, consequentemente, também o nosso amor” – vertido numa prosa densa, enrodilhada noutras cidades e literaturas, que atinge alta voltagem lírica nalguns momentos.
Um livro de excessos, porque “o Porto é uma das raras cidades desmedidas. E por isso temos de ter a coragem e a honestidade de a amar de forma desmedida também”.