Escritora expõe violência sexual sistémica do exército russo no livro “A guerra de Putin contra as mulheres”.
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A pesada herança cultural soviética é um tema recorrente na obra ficcional de Sofi Oksanen. Todavia, no novo livro “A guerra de Putin contra as mulheres”, a mais premiada escritora finlandesa do nosso tempo (que não esquece as raízes estónias) eleva essa atenção a outro nível, demonstrando como a Rússia sempre fez da exploração sexual uma arma de terror em casos de conflito.
Continua a acreditar que os livros podem mudar o mundo?
Com a literatura e a arte, estamos sempre mais próximos do coração das pessoas. Ao lermos um romance, percebemos melhor as circunstâncias de determinado acontecimento do que simplesmente vermos uma notícia na televisão.
A ação de Putin na Ucrânia não a surpreendeu?
Nada do que a Rússia faz é capaz de me surpreender. Para os estados bálticos há muito que é certo que os russos iriam querer retomar o império soviético. Se Putin não for travado, a sua ambição imperialista não terá fim.
Acredita que alguma vez os russos se irão rebelar contra Vladimir Putin?
Estamos a falar de um povo que não tem na sua história um exemplo de revolução popular. Claro que muitos russos se opõem à guerra, mas a maioria da população concorda com Putin.
A Europa foi ingénua perante a Rússia?
Talvez, mas nos países da Europa ocidental as democracias liberais são vistas como um dado adquirido. É-lhes impossível imaginar sequer um regresso aos tempos dos poderes imperiais. Houve uma série de sinais que foram ignorados. Durante anos, o dinheiro russo – roubado dos seus cidadãos – circulou livremente pela Europa, sem ninguém parecer importar-se com isso, o que afetou as decisões políticas. A maioria dos responsáveis desempenhou o papel de idiota útil, que a Rússia aprecia bastante.
Como é ser persona non grata para a Rússia?
Sei apenas que se uma nação for incapaz de ter uma leitura crítica do seu passado, jamais será capaz de alterar o rumo. É o princípio pelo qual me rejo. Ainda hoje a Federação Russa é incapaz de falar de crimes do regime soviético.
A Estónia tem medo de um regresso da URSS?
Não usamos a palavra medo. Desde a subida ao poder de Putin, a Rússia demonstra que não é uma nação amiga, não há qualquer surpresa nos recentes desenvolvimentos.
A evolução dos direitos está muito aquém?
Se pensarmos nos últimos 100 anos, a agenda da igualdade conheceu um forte progresso. Todos gostávamos que as mudanças ocorressem da noite para o dia, mas por vezes é preciso dar um passo atrás para dar dois em frente. Estamos a viver um desses momentos.
O que explica que este método de terror não tenha mudado?
O Mundo pode ter mudado, mas não a Rússia. Já há leis internacionais que procuram salvaguardar crianças, idosos e mulheres em caso de guerra, mas a Rússia não quer saber. No exército russo não há uma cadeia de comando que responsabilize esses atos. A violência sexual está impregnada no sistema e vive da impunidade.
Por que escolheu o ensaio e não um romance?
Achei-o mais apropriado, porque não gosto de abordagens académicas nos meus romances. Já é tempo de deixarmos de lado os eufemismos quando falamos de violência sexual.
A memória é o principal alimento da sua obra?
O que seríamos sem ela? A memória histórica coletiva tem uma importância gigantesca. Na Rússia, pelo contrário, o regime está a tentar criar nos cidadãos uma memória nacional falsa. Usam-na para propaganda. As pessoas estão a ser educadas assimilando ideias falsas.