“Sonhos” pertence a uma trilogia de Dag Johan Haugerud que inclui “Sexo” e “Amor”.
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Foi com alguma surpresa que o júri presidido pelo realizador norte-americano Todd Haynes anunciou ontem à noite que o Urso de Ouro da edição 75 da Berlinale ia para “Dreams”, do norueguês Dag Johan Haugerud. O filme não pertencia ao número indesejavelmente elevado de filmes que deixaram a maioria dos jornalistas em Berlim estupefactos com a sua seleção, mas também não parecia ter criado nenhum consenso que lhe atribuísse um claro favoritismo.
Curiosamente, ou talvez não, “Dreams” foi exibido no último dia da competição, e a sua escolha para o prémio maior de Berlim pelo júri indica que, até esse momento, nenhum outro título os deixara totalmente convencidos.
“Dreams” é uma delicada abordagem do primeiro amor, ou daquele sentimento que muitos de nós tivemos durante a juventude por algum dos nossos professores ou professoras. É o que acontece à adolescente protagonista do filme, que se ausenta por completo de outra coisa que não seja o seu intenso desejo por uma nova professora.
Conseguindo convencê-la a dar-lhe aulas de tricô – ao que parece uma atividade muito popular hoje na Noruega entre jovens de todos os sexos – passa a ir a casa da professora com alguma regularidade sem que, no entanto, tenha coragem de expressar os seus sentimentos.
A jovem decide então escrever um pequeno livro onde explicita a sua relação com a professora, e acaba por partilhar o texto com a avó. Como esta é poeta e com experiência de vida, compreende-a, mas acaba por dar a lê-la à mãe, que reage de outra maneira…
Com uma linguagem minimalista e a frieza habitual do cinema nórdico, “Dreams” cativa, tem uma estrutura narrativa original e subtil, mas estará longe de uma linhagem de vencedores do prémio maior de Berlim. Ou então é o cinema que já não é o mesmo. O filme é o terceiro capítulo de uma trilogia do mesmo realizador, rodada em sequência, e que inclui ainda “Sex” e “Love”, que no entanto poderão ser vistos por qualquer ordem, segundo as palavras do realizador. Muito provavelmente, o impacto do Urso de Ouro de Berlim trará até nós não só este último filme como a trilogia completa.
Respetivamente com Grande Prémio do Júri e Prémio do Júri, “O Último Azul”, de Gabriel Mescaro e “El Message”, de Iván Fund, o cinema da América Latina saiu em alta da Berlinale. Mas enquanto o brasileiro era até visto como um dos possíveis Ursos de Ouro, já o argentino, pese toda a sua honestidade, está muito longe da qualidade necessária para fazer parte de um palmarés como o da Berlinale, com o seu preto e branco só porque sim e a sua insuportável banda sonora.
A equipa anterior da Berlinale, liderada por Carlo Chatrian, numa atitude de extremado politicamente correto, tinha eliminado as categorias de melhor ator e melhor atriz, passando a ter apenas um prémio de interpretação principal, independente do género. Tricia Tuttle decidiu manter essa política, e com os filmes de Mascaro e Radu Jude – prémio de melhor argumento – já no palmarés e para não duplicar prémios para o mesmo filme, deixou de lado as suas portentosas atrizes, encontrando em Rose Byrne a vencedora deste prémio, pelo seu trabalho num dos outros filmes que deixou quase toda a gente indiferente, “If I Had Legs I’d Kick You”.
Numa outra decisão um pouco estranha, mas talvez para colocar o filme na lista de premiados, o júri atribuiu um prémio de interpretação secundária a Andrew Scott, pela sua recriação de Richard Rodgers em “Blue Moon”, de Richard Linklater, um filme marcado pela magnitude do trabalho de Ethan Hawke, na pele de Lorenz Hart.
Os prémios do júri internacional incluíram também melhor realizador para o chinês Huo Meng, pelo impressionista e observacional “Living the Land” e melhor contribuição artística para o francês “La Tour de Glace”, conto de fadas negro de Lucille Hadzihalilovic.
Na nova secção Perspectives, dedicado a primeiros filmes, o prémio maior foi para o mexicano “El Diablo Fuma”, com o português “Duas Vezes João Liberada” a ficar de fora.
No entanto, há uma presença portuguesa nos vários prémios de Berlim, através da coprodução minoritária da Oublaoum Filmes de Ico Costa, no peruano “La Memoria de las Mariposas”, ensaio sobre o colonialismo através exclusivamente de imagens de arquivo, algumas das quais, relativas ao Amazonas dos primeiros anos do século XX, filmadas pelo português Silvino Santos, descobertas no Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, da Cinemateca Portuguesa.
O filme da realizadora Tatiana Fuentes Sadowski mereceu uma Menção Especial do Júri dos Documentários, já depois de ter recebido o Prémio da FIPRESCI, associação da crítica internacional, respeitante aos filmes presentes na seção Forum.