Tem 45 anos e completa no próximo ano 30 de carreira. Nicole Kidman é uma das raras atrizes dos nossos dias que se podem comparar com as grandes estrelas do passado. Mas, apesar da popularidade, da vida social e dos mexericos, sobretudo enquanto esteve casada com o ator Tom Cruise, sempre nos habituou a uma enorme qualidade e exigência no seu trabalho e a um certo arrojo nas suas escolhas.
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Agora, soma mais uma personagem única à sua filmografia, com a Charlotte de "The paperboy - Um rapaz do Sul", a mulher que tem uma relação com um condenado à morte e ajuda um jornalista que acaba de regressar à sua cidade natal a provar que é o homem errado que está na cadeia.
O filme estreia depois de amanhã. Estivemos a falar com Nicole Kidman numa cabina sobre o mar, no exclusivo Hotel du Cap, perto de Cannes, em França, quando o filme teve a primeira apresentação, concorrendo à Palma de Ouro.
Não sentiu receio do que esta estranha personagem lhe exigia?
Não tive receio nenhum. Li o guião todo numa noite. Na manhã seguinte, liguei ao Lee [Daniels, o realizador] para lhe dizer que queria fazia o filme. Tivemos uma longa conversa ao telefone. Foi assim tão simples. Aliás, é assim que tomo todas as minhas decisões. Sei imediatamente o que quero.
Por que é que teve tantas certezas?
Primeiro, porque ia trabalhar com o Lee Daniels, claro. E o papel é extraordinário. Adorei por ser tão diferente do que já fiz. Nunca ninguém me tinha visto desta maneira. É verdade, nunca me tinham oferecido um papel como este.
É quase um regresso à personagem que defendeu, há já uns anos, em "Disposta a tudo", era alguém que usava a sexualidade para alcançar o que queria...
Mas a Charlotte é uma personagem mais trágica. A personagem de "Disposta a tudo" era diferente, tinha outras motivações. A Charlotte é uma mulher dura, mas com uma profunda tristeza.
Que tipo de investigação fez para criar esta personagem?
O Lee Daniels pediu-me para falar com cinco mulheres que tinham tido relações com homens que estavam na cadeia. Insistiu mesmo que eu falasse com elas. Foi depois disso que fiquei assustada!
Ficou assustada com quê?
Com o facto de ir interpretar uma personagem assim. Todas elas tinham uma certa tristeza. Mas também um lado feroz. Era uma combinação muito bizarra. E uma sexualidade muito visível.
Há, estranhamente, também uma certa masculinidade na Charlotte...
O Lee estava sempre a gritar-me que ela é uma mulher dura! E ter conhecido aquelas mulheres ajudou--me imenso.
No filme, há uma sequência que já foi chamada de "o momento Sharon Stone". Como é que foi a rodagem?
Na altura, não fazia a mínima ideia do que é que seria apanhado pela câmara. Nem sabia onde é que as câmaras estavam. Mas já mostrei coragem em muitos momentos da minha carreira e sempre tentei ser fiel às minhas personagens. Grande parte do trabalho de um ator tem a ver com a confiança e respeitar a voz da personagem.
É seguramente o que se passa com este filme e com a sua personagem...
Espero que sim. A Charlotte é uma mulher completamente viciada naquele homem, que nem conhece, só através de cartas. E quando se encontram, é como uma combustão. Como é que isso se consegue?
E depois há o outro lado da cena, o trabalho do John Cusack...
É curioso, mas, durante toda a rodagem, nunca falámos como Nicole e John. Foi quando acabámos de filmar que ele veio ter comigo e se apresentou como John Cusack!
E com os outros atores?
Com o Zac, houve alturas em que me comportei como Nicole. Mas, na maior parte do tempo, tentei manter--me sempre na minha personagem. Se não o tivesse feito, não conseguiria representar esta mulher.
E com o Lee Daniels?
Acho que ele gosta mais da Charlotte do que de mim...
Também se considera uma pessoa dura?
Não. Mas a verdade é que esse lado de mim nunca tinha sido explorado em nenhuma personagem que representei. Foi algo que tive de aprender.
Qual é o seu lado mais negro?
Todos temos um lado mais ligeiro e um lado mais negro. Como atriz, posso ir a lugares onde nunca iria na minha vida real. A minha vida privada é o meu santuário e é através do trabalho como atriz que exorcizo os meus fantasmas, sejam eles quais forem.
Sente-se confortável ao representar alguém que é tão diferente de si?
Sou uma atriz. Não sou uma celebridade ou uma personalidade. Sou uma atriz. Quis representar desde que tinha dez anos. Foi sempre o que quis fazer. E, nos dias que correm, é cada vez mais difícil uma pessoa manter-se fiel a esse desejo.
Qual é o caminho para ultrapassar esses obstáculos?
O que temos de fazer é escolher um realizador e uma personagem e ir em frente. Mas, sim, é isso que quero, representar pessoas diferentes. Proporcionar o contraste, a diversidade, contar histórias diferentes. Quero manter a pureza da representação. Já me senti corrompida, mas tento sempre voltar à essência.