Já está nos cinemas “Rosalie”, sobre uma mulher-barbuda na França do século XIX. O JN entrevistou a realizadora, Stéphaine Di Giusto.
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França, último terço do século XIX. Rosalie tem 25 anos e o pai manteve-a escondida de toda a gente devido a uma particularidade: a barba crescer-lhe como um homem. Devido ao seu dote e sem saber do seu segredo, um taberneiro casa com ela. Enquanto toda a gente a coloca de parte, o mardo irá aprender a amá-la… “Rosalie” é a segunda longa-metragem de Stéphaine Di Giusto, depois de “A Dançarina”, que também estreou entre nós. Quando “Rosalie” já se encontra nos cinemas, estivemos a falar com a realizadora.
Como é que descobriu esta história?
O meu caminho cruzou-se com o dessa mulher extraordinária que foi Clémentine Delait, que viveu no início do século XX. Uma mulher barbuda famosa na sua região. E quando vi a foto dela, estranhamente, pareceu-me uma mulher graciosa. O que me seduziu na sua autobiografia foi que recusou sempre ser um fenómeno de circo. O que queria era ter uma vida normal de mulher.
Porque decidiu fazer uma ficção e não uma biografia da Clémentine?
Inspirei-me na história de outras mulheres com as mesmas condições e inventei o destino desta Rosalie, uma mulher que se liberta assumindo a sua barba. Sobretudo, queria contar uma história de amor. Um amor sem condições, absoluto. É claro que, entre os dois, há uma relação ao mesmo tempo púdica e violenta. Sabia que, com estas personagens, não podia ser um romance banal. Através destas personagens queria ir mais longe que o amor e questionar a humanidade.
Quer este filme quer o anterior, “A Dançarina”, são dois retratos fortes de mulheres…
A barba faz lembrar o masculino, mas a ideia era esquecer essa barba e não questionar a dualidade homem/mulher. Não queria caminhar no sentido da oposição. Pelo contrário, queria esquecer tudo isso. Queria questionar a interioridade, o desejo se dermos nós próprios. Como a personagem de “A Dançarina”, a Rosalie está num processo de busca dela própria. É uma mulher que tem o desejo de ser mulher.
Como é que se processava a colocação dos pelos na cara da sua atriz principal, a Nadia Tereszkiewicz?
Eram colocados um a um. A responsável pela colocação dos pelos tinha uma paleta com pelos de várias cores. E um centímetro a mais já dava uma outra perceção. Eu sabia que tinha de ser muito vigilante em todos os aspetos do filme, para que funcionasse. Na montagem, quando vi as imagens, percebi que não estava errada.
Não olhamos para este filme como um filme histórico, no sentido tradicional…
De facto, é uma fábula. Mas é realista, em relação à época em que se passa. Eu respeitei a época. Mas é verdade que aquela aldeia podia ser num sítio qualquer, procurei algo que fosse universal. Mas o paternalismo social era uma realidade daquela época, estamos em 1875, após a guerra franco-prussa. O patrão não é apenas um patrão. Tudo é governado por ele. E a Rosalie vai quebrar as regras dele, não lhe vai obedecer. Vai ter a sua própria religião, a sua própria lei, a sua própria maneira de ser.
Foi difícil financiar um filme como este?
Foi o mesmo louco do primeiro filme, que quis continuar a seguir-me. É um produtor que adora tudo o que sai do habitual. Já lhe tinha proposto este tema, mesmo antes do primeiro filme. Demorei algum tempo a encontrar a boa história. Foi a seguir à morte do meu pai e sabia que esta história iria preencher esse grande vazio.
Em que sentido associa o filme a essa sua tragédia pessoal?
Pode parecer estranho, mas há muito do olhar do pai, no filme. Mas tenho de dizer que não foi fácil fazer este filme. Os financiadores não ficaram muito entusiasmados com o tema. Assim que se sai do habitual, ficam com medo. Pelo tema, até os compreendo. Foi muito difícil montar o filme, foi por isso que tive tanto prazer a filmá-lo.
Também foi um combate, para si.
Eu também sofri de preconceitos, como a personagem. Bati-me tanto que, no primeiro dia de filmagem, tive um prazer enorme, que aliás comuniquei aos atores. A Rosalie tinha o direito de existir, vamos a isso. Foi uma felicidade, todos os dias. Que milagre, podia finalmente fazer o meu segundo filme. Obrigado.
Até que ponto houve improviso, por parte dos atores?
Com a pouca experiência que tenho, sinto que a escrita é muito importante. Tem de haver um trabalho de escrita muito profundo. Porque permite-me ter esse conforto, uma base, que está lá. Mas isso permite-me depois descobrir outras coisas com os meus atores, ir mais longe.
A primeira cena de amor deve ter sido difícil de rodar…
Não disse isto a muita gente e a Nadia nem sabe, mas estive uma semana a discutir essa cena com o Benoit Magimel. O método da Nadia é diferente, trabalha mais no imediato. E ela quis surpreendê-lo. Mas o Benoit, todos os dias me perguntava como é que íamos filmar essa cena. É alguém que não descansa enquanto não encontra a medida certa. Vai à procura de um gesto, de uma respiração.