O ator francês Tahar Rahim canta e dança numa visão moderna de “Don Juan”, filme de Serge Bozon que estreia esta quinta-feira em Portugal.
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No teatro, Laurent interpreta Don Juan. Mas na vida real é deixado pela noiva no dia do casamento, passando a vê-la em todas as mulheres com que se cruza. Ao lado de Virginie Efira, em várias personagens ao mesmo tempo, vamos ver o popular Tahar Rahim como nunca o vimos, a cantar e a dançar, em “Don Juan”. O ator confessou-se ao JN.
Fazer este filme foi um outro desafio para si. Não tem estudos de canto, parece-me.
Faz parte do desafio, ter de aprender. Foram horas e horas de treino. Fiquei mais descansado quando comecei a atingir as notas certas. Mas não era só cantar, tinha de transmitir as emoções do que estava a cantar. Ouvi imensos concertos ao vivo de Jacques Brel e Charles Aznavour, para perceber como é que o faziam. Se falhamos uma nota, não há problema, continua a cantar-se, porque se as emoções são as certas, funciona.
O facto de ter de cantar ao vivo, de não ser gravado, foi um desafio adicional.
Quando o meu agente me falou do filme disse-lhe para haver bar aberto nos estúdios de gravação, mas ele disse-me que eu não estava a perceber, as canções iam ser gravadas ao vivo, durante a rodagem. E as canções já estavam compostas antes da rodagem, não podiam ser adaptadas à minha voz. Mas fui em frente.
É raro vê-lo numa personagem tão frágil.
O que me atraíu foi o facto de não vermos muitas vezes um homem a sofrer de um desgosto amoroso como o centro de um filme. Diga-me se se lembra de um filme em que isso acontece, eu não me lembro. O que o filme mostra é que quando um homem está com problemas sentimentais, é exatamente como uma mulher. Chora, sente-se triste. Finalmente, somos todos iguais.
Que tipo de trabalho é que teve com o Serge, para desenvolver a personagem?
Tinha muitas perguntas para lhe fazer sobre o argumento. Falámos muito sobre as canções e as danças. Mas acho que percebi a personagem muito rapidamente. Confiei nele e mergulhei a fundo no projeto. O Serge dá-nos confiança para criarmos as personagens.
O filme dá uma visão completamente diferente do mito de Don Juan…
Acho que é uma maneira moderna de pôr em questão o mito. É um homem obcecado por aquela mulher, que vêm em todas com que se cruza. A essência da história está lá, é só uma visão diferente. E é o olhar de um realizador que vive na nossa época.
A Virginie Efira interpreta todas essas mulheres e aparece sempre de forma diferente. Houve alguma altura em que se surpreendeu com a presença dela?
Foi sempre surpreendente. O visual mais surpreendente é o da mulher no bar. Cabelo escuro, olhos azuis. Foi sempre divertido. Mas de manhã estávamos todos na mesma sala a sermos preparados, por isso assisti sempre a todo o processo.
Como é que vai escolhendo os seus projetos?
Gosto de ser surpreendido, desafiado. Gosto de explorar novos campos artísticos. Este projeto tinha tudo isso. E gostava muito de trabalhar com o Serge.
A sua carreira está a atravessar um bom momento, com filmes muito diferentes a estrear.
É verdade, mas o mais importante é que tenho uma equipa, que me apoia no que faço na vida. A ideia é passar de um filme para o outro sem ter medo de experimentar coisas novas. Não quero de forma alguma fazer só um tipo de filmes ou de personagens. Ou que me ponham uma etiqueta. Não quero dizer que um ator tenha de fazer de tudo. Não tenho a pretensão de o dizer. Mas é mais divertido fazer coisas diferentes.
Sentiu no início da carreira que o tentaram tipificar, sobretudo depois de “Um Profeta”?
Claro que sim. Tentaram meter-me uma etiqueta. Tive de dizer não, não e não a muitos filmes, com o risco de perder tudo, de deixar passar a oportunidade.
Uma das características do seu trabalho é também de alternar filmes de grande orçamento com outros mais independentes.
É a mesma coisa, gosto de passar de um universo a outro. Lá no fundo, somos todos crianças. Fazer um filme é como estar num parque infantil. Mas para adultos. Passamos o resto das nossas vidas a tentar ser outra vez crianças. Não sei se é assim com toda a gente, mas é comigo. Ser ator ajuda-me a voltar à infância e a ser outra vez criança de tempos a tempos.
Hoje em dia há uma nova geração de atores e atrizes de origem árabe a chegar ao cinema. Tem alguma mensagem em especial para eles?
O que lhes posso dizer é que quando acreditem numa coisa, vão em frente. Mas é assim no cinema e na vida. Não tomem decisões pelas razões erradas, como a fama ou o dinheiro. E lutem. A verdade é que há ainda muitas minorias que não estão bem representadas. A situação tem de mudar.
E agora vamos vê-lo no “Napoleão”, do Ridley Scott. Como é que aconteceu?
É isto que adoro no meu trabalho, nunca sabemos o que vai acontecer amanhã. Recebi um email do meu agente a dizer que o Ridley Scott me queria ver. Esperei dias e semanas e nada. Até que recebi outro email a dizer que havia uma oferta.
Tem muitas cenas com o Joaquin Phoenix?
Já tinha feito o “Maria Madalena” com ele. Era o Jesus e eu o Judas. Já o conhecia, como pessoa e como ator. Não tivemos de começar tudo de novo. É um grande ator.
Quando acaba um filme fica nervoso sem saber o que vai fazer a seguir?
Já não fico. Agora tenho filhos, mantêm-me ocupado e feliz. Os filhos são a coisa mais importante da vida. Ajudam-me a relativizar tudo.
O que disseram quando souberam que ia cantar num filme?
Ainda são muito pequenos. Não sabem bem o que faço. Mas quando forem mais crescidos e na escola os outros lhes disserem que conhecem o pai, vou dizer-lhes que é o que faço, que gosto do que faço, mas é apenas um trabalho. Não é mais importante que qualquer outro trabalho.