Nova temporada teatral oscila entre reagendamentos e cancelamentos. Criadores estão otimistas mas preparados para responder a imprevistos.
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Em contagem decrescente para declarar aberta a nova temporada, os equipamentos nacionais e municipais, bem como os artistas e as companhias reconhecem que todos os dias tudo pode mudar na programação - e nas salas. Depois de quase cinco meses suspensos, a esperança de ver a atividade reativada é conjugada no condicional.
Desenhar a programação 2020/2021, que será apresentada no dia 8 de setembro, foi "um enorme desafio", admite, ao JN, Tiago Guedes, diretor artístico do Teatro Municipal do Porto (TMP), que teve de alocar 50 espetáculos da temporada passada, e que ainda ontem foi confrontado com o primeiro imprevisto: a companhia de dança israelita Sharon Eyal & Gai Behar, que iria apresentar o espetáculo "OCD Love" a 25 e 26 de setembro no Rivoli, cancelou a digressão.
Se estes incidentes são incontroláveis, o clima de incerteza é contornável. "Temos de nos apaziguar. O que vai acontecer não depende de nós. De nós depende a capacidade de reorganizar", diz Guedes. Por isso, o TMP preparou um ciclo paralelo, em versão digital, que "não se limita a fazer o stream dos espetáculos" ao vivo, cuja lotação estará reduzida a metade, mas cumpre uma lógica programática. A ideia é "manter a âncora entre o público e os teatros", razão pela qual foi também aumentado o número de récitas de cada espetáculo.
Em Lisboa, Aida Tavares, diretora artística do Teatro Municipal São Luiz, concorda que reagendar 29 espetáculos foi "um puzzle difícil". E defende que depois da corrida ao online, durante o confinamento, agora "tudo tem de ser visto de forma diferente".
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Nos Teatros Nacionais, a incerteza e as dificuldades são idênticas. Nuno Cardoso, diretor artístico do São João (TNSJ), no Porto, lamenta as mudanças que teve de imprimir num ano tão importante para o TNSJ. "Havia um conjunto de planos e projetos que se plasmariam no centenário do Teatro e a pandemia desestruturou tudo". A preocupação prende-se agora "com a coerência da programação e com a regularidade da criação teatral independente".
No Dona Maria (TNDM), em Lisboa, Tiago Rodrigues tem a consciência de que, "nesta temporada, o futuro está escrito a lápis". Apesar disso, atira: "Não podemos ficar paralisados pelo medo". Por isso mesmo, preparou uma programação "atipicamente intensa", com 45 espetáculos, cujo tiro de partida é dado dia 2.
Apesar de os mecanismos estarem preparados para o caso de ser necessário voltar à programação online, o diretor artístico garante que, neste momento, está apenas "focado em voltar ao palco com público em sala."
Criadores otimistas
Faminto de palco, Gonçalo Amorim, encenador e diretor do Teatro Experimental do Porto (TEP), que estreia, no próximo dia 16, a "A.N.T.I.G.O.N.A" no TNSJ. "As pessoas precisam de ir ao teatro, de ter pontos de encontro, afeto e confronto", diz, acrescentando que "os tempos de sobrevivência sempre foram muito bons para a criatividade".
O encenador Manuel Tür também encara com otimismo a nova temporada."Com lotações de sala mais reduzidas passaremos a ter carreiras mais longas, porque ninguém aguenta esta fugacidade toda de montar e desmontar tudo em dois dias", observa. No caso do coletivo A Turma, ao qual pertence, o essencial "é sempre as pessoas e as boas condições de trabalho", diz. "Se tivermos de reutilizar coisas, vamos fazê-lo. Sempre fomos animais de readaptação".
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Durante a pandemia, a companhia Visões Úteis deixou a Fundação José Rodrigues, onde ensaiava há 11 anos, e instalou-se em Campanhã, onde prepara "Dizem que do outro lado havia um caminho que cortava a demanda em dois". A criação deverá estrear na Bélgica, a 24 de outubro. Em novembro, passa pelo Teatro de Vila Real e em janeiro de 2021 chega ao TNSJ. "Estamos a trabalhar como se acreditássemos mesmo que vai ser possível", confessa Carlos Costa, embora admita que, até ao próximo ano, estão "em roleplaying".
Neste momento, as companhias apoiadas pela Direção-Geral das Artes têm os apoios garantidos. O problema, torna Carlos Costa, é a bagunça instalada em 2021 devido aos reagendamentos. "É mais fácil programar em 2022 do que em 2021."
Apesar da incerteza, Carlos Costa não teme que a estética teatral fique condicionada no pós-pandemia e lembra um encontro, na Galiza, no fim dos anos 90, em que um encenador disse: "A minha poética teatral é tudo o que couber no meu Opel Corsa com os bancos deitados para trás".