Nova temporada convoca também o ex-diretor Nuno Carinhas e conta com encenação do italiano Romeo Castelucci a dirigir a atriz francesa, em abril.
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“A temporada teatral que hoje anunciamos padece de uma absoluta falta de originalidade”, anunciou Pedro Sobrado, presidente do conselho de administração, ontem, a uma sala lotada do Teatro Nacional S. João (TNSJ), no Porto. Neste outono-inverno, o TNSJ devolve-nos três figuras tutelares da criação: Nuno Carinhas, Ricardo Pais e Manuel António Pina. Cada um marca o seu tempo – e, nesta programação, os tempos cruzam-se, inquietam-se, desdobram-se.
Pedro Sobrado reconheceu que fala da programação “como se fosse minha”, mas esclareceu ser apenas “o porta-voz”. Ainda assim, admitiu sentir “um indisfarçável orgulho” no resultado alcançado. A programação foi desenhada por um grupo interno do TNSJ – que está sem diretor artístico desde janeiro –, com liberdade total, respeitando a missão e história da instituição.
Dois ex-diretores
A Ricardo Pais, que em setembro celebra 80 anos, o TNSJ dedica o programa “RP 80”, que começa com a reposição de duas obras fundamentais: “Turismo infinito” (dias 16, 17 e 19 de outubro) e “Al mada nada” (16, 18 e 19 de outubro). Ambas as encenações cristalizam a inquietação poética e estética que Pais imprimiu no teatro português desde os anos 1970. Ao contrário de um retrato nostálgico, o ciclo recusa a musealização da memória.
Ricardo Pais dirige também o workshop “Estúdio 7” (15 a 27 de setembro) e lança o livro “Despesas de representação – ditos e escritos (1975–2025)”, a 18 de outubro, “como quem passa o testemunho com a mesma voracidade com que o recebeu”. Ao relermos Pais, lemos também Nuno Carinhas, seu sucessor e ex-diretor artístico. Se Pais foi o arquiteto de uma estrutura – do conceito à bilheteira, do gesto ao som –, Carinhas foi o pintor e o poeta que habitou esse edifício, trazendo-lhe cor, tensão plástica e um sentido de assombro.
É assim que, entre 20 de novembro e 14 de dezembro, Carinhas regressa à casa que dirigiu com uma produção do próprio TNSJ: “Branca de Neve & outros dramalhetes”, a partir de Robert Walser. Aqui, os contos de fadas perdem a inocência e ganham abismos. A Gata Borralheira duvida, A Branca de Neve perdoa, a Bela Adormecida lamenta ter acordado. Walser – esse “mandrião e génio”, nas palavras de Walter Benjamin – encontra em Carinhas um leitor à altura, capaz de dar corpo ao paradoxo e à ironia sem dissolver a sua delicadeza.
E como falar da palavra sem invocar Manuel António Pina? O espetáculo “Inventão [título provisório]”, com direção de Victor Hugo Pontes e música de A Garota Não, estreia a 12 de março e fica em cena até 2 de abril, voltando para nova temporada de 8 a 12 de abril. Um espetáculo músico-cénico para “gigões e anantes”, como o próprio Pina diria, onde a poesia se move, canta e salta – literalmente – em cena.
Mais tarde, nos dias 2 e 3 de maio, regressa-se à sua palavra com “Visitações: Manuel António Pina”, um encontro com escolas e comunidades para ouvir “o pássaro da cabeça” e fazer dele casa.
Romeo e Isabelle
Se há momento em que a programação toca o sublime, é com “Bérénice”, de Jean Racine, versão incandescente de Romeo Castellucci. O encenador italiano dispensa o aparato e dirige a luz para dentro da mente da personagem, com Isabelle Huppert em cena, de 17 a 19 de abril. Promete ser um desses atos raros que definem uma temporada – ou uma década.