Primeira reedição de "Tempo de fantasmas", livro que marcou a dissidência do autor de “A ampola miraculosa” do movimento surrealista.
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Em 1951, as aventuras no movimento surrealista há muito que tinham deixado de fazer sentido para Alexandre O’Neill, agastado com as sucessivas diatribes entre os membros dos dois grupos existentes. A declaração de independência surgiu nesse mesmo ano, com um livro cujo título, “Tempo de fantasmas”, já expressa um distanciamento acentuado do fulgor associado ao surrealismo.
A manifesta “desilusão” que o poeta sente vem logo expressa no início do livro, sob a forma de “Um pequeno aviso do autor ao leitor”, texto sombrio q.b. em que confessa que “a aventura surrealista” foi “reduzida, como merece, às alegres atividades de dois ou três incorrigíveis pequenos aventureiros”.
Se O’Neill saiu do convívio dos surrealistas, as diretrizes do movimento não o abandonaram por inteiro, como deu provas ao longo das mais de três décadas seguintes em que continuou a publicar.
Demasiado livre para se deixar engavetar num único género ou registo, quis antes experimentar com a avidez de sempre as possibilidades ilimitadas da poesia, trocando “as aventuras coletivas pelas individuais”, como bem explica Fernando Cabral Martins no posfácio desta reedição, por sinal a primeira.
Na época com 27 anos, O’Neill assina um livro invulgarmente maduro, em que constam já alguns dos seus poemas considerados canónicos, como são os casos de “Uma vida de cão”, “Um adeus português” ou “O poema pouco original do medo”.
Para distanciar-se dos delírios associados ao movimento de que se desligara, o autor de “Abandono vigiado” concretiza em “Tempo de fantasmas” uma abordagem poética que impressiona não apenas pela capacidade de abarcar “a ironia ou o lirismo exacerbado”, destacados pelo autor do prefácio, mas também o modo contundente, a roçar a violência, como expressa as suas imagens. Por isso, as palavras são “animais doentes” que fazem com que tudo seja “tão difícil / de manejar de lançar de provocar / de reunir / de fazer viver”. Assombrado pelos fantasmas que deixou para trás, o poeta encontra no outro (ausente ou não) um alento para enfrentar os dias. v