Estreia esta quinta-feira o último filme de David Cronenberg, “The shrouds – As mortalhas”, com Vincent Cassel e Diane Kruger. Ação passa-se no futuro, em cemitérios com novas tecnologias.
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Depois de assistirmos a um sem número de imitações, ou “homenagens”, segundo alguns, é bom voltar a ver uma obra do genuíno mestre do horror clínico, subgénero do cinema fantástico que David Cronenberg criou e tão bem desenvolveu.
E se as mutações do corpo eram já matéria de obras-primas do canadiano, como “Videodrome”, “A mosca” ou “Crash”, entre muitas outras, “The shrouds – As mortalhas” confronta-nos com um dos nossos medos mais profundos e que tentamos em permanência esquecer: a morte e o fim da presença corporal, nossa ou dos nossos entes queridos.
Em “The shrouds”, Croneberg coloca Vincent Cassel como Karsh, diretor, numa sociedade vagamente futurista, de um cemitério muito especial. Equipado com as mais avançadas tecnologias de imagem, os familiares dos defuntos têm acesso a uma câmara colocada no interior do caixão, podendo acompanhar o processo de decomposição dos seus entes queridos.
Mas Karsh é o primeiro a usufruir desta possibilidade, depois da sua mulher sucumbir a uma doença terminal. Ao apresentar o processo a uma possível cliente, descobre algo de estranho no cadáver da mulher. Um ataque ao cemitério que destruiu algumas das campas, a irmã da esposa e o ex-marido desta e possíveis ataques informáticos dos russos ou dos chineses permitem a Cronenberg uma deriva pela forma como fazemos os nossos lutos, com o corpo e as suas decomposições a levarem-nos numa viagem de volta ao universo fantástico do realizador.
O facto de se tratar de uma obra cuja génese aconteceu pouco depois da morte da sua esposa, com quem partilhava a vida há quatro décadas, torna este filme um dos mais pessoais da obra ímpar de David Cronenberg, de 82 anos.
O olhar clínico do realizador sobre as sociedades do futuro, os diálogos na margem da ironia e a cumplicidade de Vincent Cassel e Diane Kruger, fazem de “The shrouds – As mortalhas” uma obra angustiante mas fascinante.