Há meia centena de obras de 30 criadores em “This is a shot”. A grande exposição abre ao público esta quinta-feira no museu portuense de Serralves e permanece até novembro.
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“A coleção é a alma dos museus”. Assim é aberta a visita à exposição “This is a shot” pelas curadoras. A frase inaugural é de Isabel Braga. Mais para o final, é Joana Valsassina quem reforça a ideia, ao dizer que “o que faz um museu é a coleção”, sem ela nada mais é do que um espaço onde se expõe arte.
“This is a shot” é, portanto, a alma do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, que reúne cerca de 50 obras de 30 artistas, de 11 nacionalidades diferentes, adquiridas através de aquisições, depósitos e doações nos últimos 10 anos, essencialmente. Vai buscar o título à obra “Abstract”, da alemã Hito Steyerl, na qual a palavra “shot” é esmiuçada em todos os seus possíveis significados – o enquadramento de uma câmara, o disparo de uma arma, uma oportunidade.
“Abstract” suscita uma reflexão sobre a realidade contemporânea a partir de uma amiga de infância, Andrea Wolf, que se juntou ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e acabou morta em 1998. Steyerl justapõe dois vídeos – um no local do confronto e o outro em frente ao edifício da Lockheed Martin, fabricante das armas que a Alemanha vendeu à Turquia, com o propósito de relacionar diferentes locais e tempos, enquanto imprime contornos pessoais, políticos, históricos e sociais.
O mundo a dissolver
Além de uma simples exposição de aquisições recentes, esta é uma mostra de obras que formam um todo tematicamente coerente. O “todo”, segundo Isabel Braga, é “um mapeamento do mundo contemporâneo”, profundamente marcado por problemáticas como os conflitos armados ou as alterações climáticas.
Sobre a temática debruça-se Olafur Eliasson, artista islandês-dinamarquês, numa obra que foi começada, sem o saber, em 1999, quando fotografou vários glaciares islandeses (“The glacier series”), esplendorosos, intocáveis, eternos. Vinte anos volvidos, Olafur aponta a lente aos glaciares, ou pelo menos ao que deles resta. “The glacier melt series 1999-2019” é uma das obras da exposição que evidencia a crise climática.
Um elefante na sala
A sociedade de consumo e de produção descontrolada é o elefante de uma das salas da exposição. Não por ser evidente e por quem passa evitado, mas sim pelo tamanho de uma das obras que a compõe. “Errata”, de Jean-Luc Moulène, leva imediatamente a refletir acerca da produção em massa, mas a intenção do seu autor é na verdade trazer o tema das reivindicações e das lutas dos operários. As latas da bebida mexicana Jumex foram violentadas pelo amarelo da Kodak, o cor-de-rosa da Bic e o azul dos cigarros Gauloises. É desta forma que alude ao poder dos operários para subverter a normal utilização das máquinas e ferramentas de trabalho como forma de protesto.
As obras são, na grande maioria, datadas do século XXI. A mais antiga remonta a 1976: “Por um fio”, da artista italiana Anna Maria Maiolino, capta três mulheres (a mãe, a artista e a filha) unidas por um fio que seguram nas suas bocas. Cada mulher representa uma origem (Equador, Itália e Brasil, respetivamente) e esse fio é o símbolo tanto da fragilidade como da resistência das raízes culturais e de uma herança marcada por movimentos migratórios, este tema que parece não ter descanso e que, numa última instância, prova a intemporalidade da arte.
O livro das 100 notas
“Bread” é um livro de encadernação vermelha onde as letras que dão nome a esta peça brilham em dourado na capa. No seu interior estão 100 notas de um dólar, que induzem uma reflexão irónica sobre o estatuto do dinheiro físico, numa era em que a circulação digital e a criptomoeda proliferam, com implicações significativas no mercado da arte e economia global. O artista que produz este “Bread” é Maurizio Cattelan, que terá a si dedicada uma exposição a partir de junho, na Casa e Parque de Serralves.
O piso inferior da Ala Álvaro Siza, habitualmente dedicado à arquitetura, passa a acolher a Coleção de Serralves na exposição “This is a shot” entre esta quinta-feira, 15 de maio, e 16 de novembro. Serralves não vai em busca de temáticas particulares para a sua coleção – são os artistas que as trazem refletidas nas obras.
Quererá isto dizer que a alma de Serralves, que percebemos através da sua coleção, é também a alma do mundo?