Romances com ligações ao Holocausto multiplicam-se nas livrarias e ajudam a mitigar "annus horribilis" do setor.
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"Luta surda pela sobrevivência" ou mera disposição de "ir ao encontro do gosto dos leitores"? Nos últimos meses, as montras das livrarias têm-se enchido de obras com títulos tão (pouco) imaginativos como "O carteiro de Auschwitz", "O bebé de Auschwitz" ou "As irmãs de Auschwitz", num total superior a dezena e meia de livros.
O fenómeno não é novo - "A bibliotecária de Auschwitz", grande êxito do género, saiu em 2013 -, mas ganhou relevo em 2020 devido às comemorações dos 75 anos da libertação do famigerado campo de concentração polaco.
A replicação de títulos similares, procurando capitalizar êxitos iniciais de vendas, teve numerosos exemplos nos últimos anos, desde o romance "A rapariga no comboio" ao inclassificável "A arte subtil de dizer que se f*da". Mas, pese embora a ampla oferta existente, Ana Afonso, diretora editorial do grupo 2020, é da opinião que a "saturação não é para já". "Nada é duradouro, mas o tema vai continuar a chamar leitores. E se os livros vendem é porque são bons", afirma a responsável.
À moda não escapou José Rodrigues dos Santos, cujos mais recentes livros, "O mágico de Auschwitz" e "O manuscrito de Birkenau", decorrem em pleno Holocausto e prometem "revelar a Shoah (Holocausto) como nunca foi contada".
Esta fixação por um dos acontecimentos mais sombrios da História é vista pelo diretor da empresa The Book Company, Tito Couto, como uma "tentativa desesperada da má ficção de agarrar os leitores", cada vez mais atraídos por outras formas de entretenimento, sejam as redes sociais ou as séries televisivas. Para o consultor editorial, estes livros demonstram "a necessidade de os leitores se saciarem com doses crescentes de violência" e "atraem sobretudo um público relutante, que não tem vontade ou concentração para ler um ensaio sobre este tema".
Toque de Midas?
Apesar de os números de vendas indicarem que a associação a Auschwitz atrai leitores, será esse efeito capaz de transformar em sucesso todos os livros? Sofia Monteiro, diretora da Planeta, acredita que não: "Há outros fatores em jogo, tais como a qualidade do livro ou o facto de serem testemunhos pessoais fortes".
O historial de publicação desta editora espanhola em Portugal demonstra, porém, que todos os livros sobre o tema tiveram bom acolhimento comercial, como são os casos de "O rapaz que seguiu o pai para Auschwitz" (11.a edição) ou "Última paragem Auschwitz" (3.a edição).
A aposta neste segmento tem sido também vantajosa para a Editorial Presença, com destaque para "O tatuador de Auschwitz", best-seller internacional.
De 2018 até ao presente, já foram lançados mais três títulos "com resultados diferentes entre si", sublinha Tânia Raposo, editora-adjunta da Presença, para quem o essencial é que "o editor procure um equilíbrio entre o que são os temas de interesse e as suas linhas editoriais para a construção de um catálogo".
A exploração deste filão tem dado origem a vários reparos, feitos sobretudo nas redes sociais, mas sem que se aproximem sequer do coro de indignação gerado há nove anos por "A dieta de Auschwitz". O livro de Emília Pinheiro, para cúmulo publicado por uma editora intitulada Ariana, foi mesmo banido de vários pontos de venda.