Guitarrista do Club Makumba tem novo projeto, Fake Latinos e novo disco, "Dissidente". Tournée começa este sábado em Amarante. Depois vai a Lisboa e ao Porto.
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Tó Trips, ou António Manuel Antunes, já musica, na guitarra, Lisboa e Portugal há quase quatro décadas, em projetos como os inesquecíveis Dead Combo, os recentes Club Makumba, ou a solo.
Agora, estreia-se em quarteto com os Fake Latinos: Alexandre Frazão na bateria, António Quintino no contrabaixo e Helena Espvall no violoncelo, novos rostos do seu mais recente trabalho em nome próprio, um piscar de olhos maior ao jazz, os “fantasmas de Lisboa” e da vida nas letras e melodias.
O disco "Dissidente" foi editado a 5 de março e será apresentado em digressão pelo país: o quarteto atua este sábado no Cineteatro de Amarante, depois em Lisboa, no Teatro Maria Matos a 31 de março, e no Porto, na Casa da Música, a 28 de maio, com mais datas a anunciar em breve.
Ao JN, o músico explica como chegou a este novo capítulo na sua jornada musical, um esforço traduzido em 16 temas onde ressalta um lado mais jazzy das canções e da guitarra – precisamente o que o motivou.
“O ano passado editei com os Club Makumba e desta vez queria um disco a ‘solo’, mas diferente, gravado com banda. Normalmente tinha convidados, para os concertos ou álbum, mas queria aquele efeito de banda. E queria um trabalho mais jazzístico, que voltasse a ter um bocado o Tó Trips a tocar à Tó Trips, ou seja, mais próximo dos Dead Combo” conta, confessando que fez um hiato nessa maneira de tocar depois da morte do outro lado do duo e eterno parceiro musical, Pedro Gonçalves, em 2021.
“Com o fim dos Dead Combo e com o Pedro ter partido, decidi fazer uma pausa na maneira de explorar a guitarra como explorava, que é um pouco a minha identidade a tocar”, acrescenta. Uma “travessia nos desertos”, confessa, que o levou a procurar outros formatos.
Agora, volta ao seu estilo mais pessoal e escolheu o nome, “Dissidente”, por um motivo: “A música ajuda-me, sempre me ajudou, a ser dissidente em relação a coisas mais estabelecidas ou standard. Deu-me asas, deu-me a conhecer pessoas de vários géneros, culturas, ideias. Ajudou-me a ser uma pessoa melhor e mais tolerante em relação aos outros. E também dissidente numa coisa que é... Acho que a música transformou-se muito numa coisa de ‘entertainment’ e mais naquela cena do pessoal que tem mais gostos. E não estou muito nessa, já não tenho idade para isso [risos]... É lógico que continua a haver boa música e haverá sempre, mas a indústria virou-se muito para esse tipo de coisas”, confessa.
O jazz, Lisboa e Paredes
Na procura e curiosidade constante presentes no trabalho de Tó Trips e na sua relação com a guitarra, o jazz – também ele um estilo livre e exploratório – vai ganhando mais espaço, o que se nota neste trabalho, com a ajuda dos Fake Latinos: músicos ligados direta ou indiretamente ao estilo. Segundo o guitarrista, foi essa a linha condutora do novo álbum, embora haja temas “mais latinos, mais da América Central”; e Lisboa, eterna personagem nos seus trabalhos, que volta a ter um papel e presença marcantes.
“Baseio-me muito em Lisboa, está sempre lá. Agora, há um tema – “À beira Tejo com os meus amigos fantasmas” – que é sobre como, com a idade, as pessoas vão perdendo pessoas que pertenceram à sua vida de uma maneira ou de outra, familiares, amigos, conhecidos, pessoas que foram desaparecendo. E muitas vezes costumo dizer que Lisboa está cheia de fantasmas para mim porque essas pessoas desapareceram e normalmente lembro-me delas em certos espaços, em certas ruas, em certas esquinas, cafés. E mesmo esses sítios, muitos deles desapareceram, são fantasmas”, conta.
E continua: “O tempo é bastante devastador nesse sentido, que o tempo leva os espaços e com eles leva as memórias das pessoas que paravam nesses espaços. Lisboa, para mim, está..., é outra Lisboa de quando era novo”.
Em ano de celebração de Carlos Paredes, e porque é sobre guitarra que grande parte da conversa recai, surge o nome de Paredes e Tó Trips admite a referência e conta uma história: “Fui para a música pela imagem da música. Andei na [escola] António Arroio, queria seguir Artes Plásticas, sempre gostei de pintar mas acabei por seguir publicidade. Mas comecei a tocar pela imagem da música. E o Carlos Paredes, tive a sorte de o ver na António Arroio em 1985, ou 86, porque ele foi lá fazer uma palestra com a Luísa Amaro, a companheira. E aquilo foi muito impactante para mim porque eles, além de falarem sobre a história da guitarra portuguesa e de histórias da vida dele, fizeram uma coisa foi a primeira vez que vi alguém fazer: sonorizaram um quadro do Toulouse-Lautrec, “A Lavadeira”. Ou seja, eles tentaram imprimir nas guitarras o movimento daquele quadro e achei aquilo tão forte. Pensava que o pessoal só se sonorizava imagens em movimento, em filmes. Foi muito importante”, conta.
Mais tarde, teve uma relação mais de trabalho com o Edgar Pera, em relação a Paredes, “na altura do início dos Dead Combo”. No geral, o guitarrista “foi uma influência para mim, sim. Porque é alguém que tenta passar num instrumento um sentimento de ser português. Para além de tocar tanto, cada vez que ouvimos o Paredes, aquilo transporta-nos para este país, não é? A música dele é quase um símbolo, do sentimento de ser português”.
Quanto à pintura, o primeiro sonho de Tó Trips, continua presente: “Ainda pinto sim, ainda hoje comprei uns óleos [risos]. Mas pinto menos… acho que para pintar é preciso estar muito sozinho. E felizmente tenho uma família, que não me deixa muito sozinho”.