Jorge Pelicano propôs e Tony Carreira aceitou. O autor de "A vida que eu escolhi" acabara de anunciar uma inesperada pausa na sua carreira. Era final de 2017.
Corpo do artigo
O realizador foi a sombra do cantor durante o ano seguinte. O resultado estreia hoje e chama-se apenas "Tony". É um documentário que olha para trás, para o início de tudo. É a narrativa sobre como Carreira, 55 anos, 30 de palcos, mais de 20 álbuns gravados, atingiu o estrelato. Há imagens inéditas dos primeiros passos em França e no Algarve dos anos 90. Há intimidade e há a única exigência que, conta o cantor ao JN, o próprio fez para não vetar a biografia: verdade.
11147521
Sendo uma pessoa que gosta de preservar a sua intimidade, por que razão aceitou expor-se desta forma?
Não conhecia o Jorge Pelicano quando me fizeram a proposta para este projeto. E achei que era a pessoa certa para o fazer. Disse-lhe: "vou andar um ano em tournée pelo Mundo, tu vens atrás, filmas, quero que isto seja verdade, que mostre a minha vida. E foi exatamente o que aconteceu.
Havia alguma limitação em relação ao que podia filmar?
Não, nada. Zero, mesmo. Sei que pode parecer suspeito, mas não. Há mesmo coisas que, se houvesse da minha parte essa vontade, não estariam lá. O que disse ao Jorge foi: "dou-te liberdade total. Mas quero ver o filme e ter também a liberdade para o vetar. Quando chegámos ao fim, mostrou-me.
Que reação teve?
Gostei muito. Ele conseguiu ir lá atrás buscar coisas que nem sequer sabia que existiam. E conseguiu passar aquilo que foi o meu percurso: como foi, com quem foi. Algumas coisas que estão ali, jamais as mostraria se não fosse com este filme. Mas perante o que lhe pedi, que era a verdade, tinha de aceitar que ali estivessem. É um retrato daquilo que sou e daquilo que fui durante todos estes anos.
Que sentimentos teve ao ver aquelas imagens do início da sua carreira?
Eu era outro tipo. Todos nós vamos mudando. A vida faz-nos mudar. Ali era outro Tony, mas era eu. Redescobri aquilo que fui há 30 anos. Faz tudo parte do que fui. Tenho muito orgulho.
No filme fala-se alguma vez daquele mistério que rodeia a sua relação única e mágica com os fãs? Tem alguma explicação para esse facto?
O público que me seguiu durante estes anos tratou-me muito bem e acho que também o tratei com o respeito que merece. Com muita gratidão. Talvez seja esse o segredo. Sempre tratei as pessoas com muito carinho. No fundo, retribuí o carinho que me deram.
Qual é a sensação de ver pessoas à sua frente a chorar com as suas canções?
É muito forte. Principalmente no último concerto. Não me recordo de algum dia ter chorado em palco. Mas ali as coisas descambaram. Não consegui que não acontecesse. Ainda hoje me questiono como é possível algumas pessoas fazerem comigo coisas tão bonitas como fizeram durante estes anos todos. O que é que leva a que isso aconteça? Não sei, não tenho resposta.
A pausa que fez está a ter o resultado que esperava?
Não esperava resultado nenhum. E não espero. Na altura, expliquei-o. Se as pessoas perceberam, não sei. Se calhar, neste filme, a explicação está mais clara. Mas nunca foi com um objetivo.
Tem regresso previsto?
Não sei quando volto à música. Nem sequer estou a gravar canções. Não há planos nem objetivos. Aliás, na minha vida toda nunca andei atrás de objetivos. As coisas foram acontecendo. Nunca pensei cantar aqui para depois um dia cantar ali. Nunca fiz projetos para lá de um ano.
A sua vida sempre foi tão preenchida, as pessoas perguntarão como é que passa agora o seu tempo. O que tem estado a fazer?
Tenho tanta coisa para fazer. Mas é verdade que é um bocadinho estranho para mim, que toda a vida dei prioridade à música e andei por aí, que a minha vida hoje passe sem isso. Vou vendo concertos dos meus filhos e continuo a cozinhar, coisa que adoro.
O que é que faz melhor?
Na cozinha, faço tudo bem, se os clientes não forem muito exigentes. Também estou mais presente com os meus pais, no passado era mais difícil. Durmo um bocadinho mais. Há sempre qualquer coisa para fazer.
O que é que a música lhe deu e tirou?
Para quem conhece o meu percurso - e no filme isso percebe-se bem -, a música deu-me a vida que gostava de ter. Aquilo que me estava predestinado não era nada disto. A música mudou tudo e fez com que a minha vida tivesse sido mais simpática. Muito mais simpática.
Como é que se sente hoje, como homem e cantor?
Tenho 55 anos e sinto que estou bem, de saúde e fisicamente. Ainda tenho muitas coisas para viver, espero que sem problemas graves. Assusta-me um dia ter uma doença grave. Como músico, visitei muitas pessoas com problemas graves que por vezes não vemos. Como profissional, estou à espera de ver o que poderá acontecer. Sem pensar muito nisso, mas estou por aí.
O que diria hoje a quem o seguiu e continua a segui-lo ?
Digo sempre o mesmo: agradeço tudo, o carinho, o respeito, o amor, com que me trataram. Se me fizer a mesma pergunta daqui a dez anos, esteja ou não nas canções, a resposta será a mesma: obrigado.