“Honey, I’m losing it” é o espetáculo que a autora de best-sellers e sensação da internet estreia esta terça-feira em Lisboa. Filhos, casamento e a mudança para Portugal estão entre os temas reais, vistos à lupa do humor.
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De advogada a humorista, podcaster e escritora de sucesso, Tova Leigh é um caso singular. Nascida em Israel, residente durante anos no Reino Unido e atualmente a viver em Portugal, a autora de 49 anos começou a carreira a exercer Direito mas tornou-se numa sensação mundial da internet com as suas publicações nas redes sociais sobre maternidade, o blogue “My thoughts about stuff”, o programa “Mom life crisis”, e depois o livro “F*cked at 40: life beyond suburbia, monogamy & stretch marks”, que se tornou num best-seller internacional.
Em “Honey, I’m losing it”, o seu novo espetáculo, em estreia nacional a 8 de outubro no Teatro Maria Matos, fala sobre relacionamentos, filhos, a mudança para outro país – neste caso, Portugal – “e muito sobre meu marido”, admite a humorista ao JN. E ele não se importa? “Não, ele está bem, já está acostumado”, brinca a autora.
Para Leigh, o que os pessoas vão encontrar não é exatamente um stand up, antes um conjunto de “histórias engraçadas” sobre a vida real. Até porque “não invento histórias”, diz; “muitos comediantes fazem-no e tudo bem, mas eu falo sobre a vida. Há tanto material”, frisa.
Entre a líbido feminina, os peitos caídos e os suores noturnos, as dificuldades de uma relação, tanto o espetáculo como os vídeos, publicações e livros transbordam de realidade e de relatos e desafios facilmente relacionáveis, sobre os quais muitos gostariam de falar, mas que poucos têm coragem. Virá daí a adesão do público, acredita Leigh.
“Acho que as pessoas se relacionam, mas não me vejo como uma life coach ou algo assim, de todo”, brinca. “Digo sempre, por favor não façam o que digo, porque estou apenas a tentar fazer o meu melhor, como todos estamos”. No entanto, no espetáculo vai dando dicas sobre casamento e meia idade, embora admita deixar de fora um crucial, que partilha com o JN. “Se tivesse de dar um conselho a uma mulher, seria: divorcie-se (risos). Não, estou a brincar. Mas uma coisa que não digo no espetáculo é que aprendi a valorizar as amizades femininas acima de tudo”, frisa. “Sério: façam por ter o melhor grupo de amigas na vossa vida. Dêem-se com mulheres brilhantes e valorizem-nas”.
A advogada que queria ser atriz
Ao falar com Leigh, a inevitável primeira questão é como é que uma advogada se torna bloguer, humorista, escritora, influenciadora, organizadora de retiros (alguns no Algarve), fomentadora de workshops, podcaster e estrela internacional. Mãe de três filhas, Tova acrescenta à lista: “e esposa, e mãe, e todas essas coisas. E as pessoas ainda perguntam às vezes porque estamos zangadas, não é?”, humoriza. E explica o que aconteceu.
“Era advogada, sim, mas nunca foi o certo para mm. Fui para Direito porque não sabia o que fazer. O que adorava mesmo era na verdade atuar no tribunal”, conta. E adianta: “A sério, acho que sempre fui atriz. Eu basicamente pensava era a Ally McBeal. Sabem a Ally McBeal? Eu adorava-a e era assim, muito dramática a fazer as perguntas, ao ponto de um juiz um dia me perguntar ‘mas porque está a ser tão dramática?’ E eu ‘mas qual é a graça se não for?’ (risos). De qualquer forma, percebi rapidamente que não era realmente para mim”, adianta.
Drama e o blogue
Foi então que a autora decidiu estudar Drama e tirar um mestrado em artes performativas, o que motivou a mudança para Londres. Só que também não foi o esperado. “Já comecei tarde, não foi fácil. Ser ator ou atriz é realmente difícil, e para quem não começa muito jovem, é muito pior. Ainda fiz uns trabalhos como atriz, mas não pagava as contas”.
Pelo meio, veio a maternidade; primeiro uma filha, depois gémeas; logo, o clássico “trabalho de escritório para pagar as contas”; e os primeiros desabafos online, “em 2015, quando o Facebook ainda era grande”, ironiza.
Tova começou a fazer vídeos e eles foram a tal ponto viralizando que decidiu dedicar-se a eles e começar o blogue “My thoughts about stuff”, onde partilhava as lutas que enfrentava enquanto mãe. Em menos de três anos, os seus discursos sobre maternidade, casamento e tudo o que fossem assuntos tabu, ajudaram a transformá-la numa sensação com seguidores que ultrapassam os dois milhões. Depois, a sua série viral online “Mom life crisis”, que documenta a sua meia-idade, repercutiu em milhões de mulheres em todo o mundo e mais tarde transformou-se num documentário no Amazon Prime. E ainda faltava o bestseller.
Para a autora, o sucesso do livro de estreia, “F*cked at 40” veio do mesmo princípio dos desabafos sobre maternidade: a autenticidade e ausência de tabus, mas desta feita sobre a sexualidade e os desejos das mulheres. “Era sobre o prazer em si, todas as coisas que nos dizem quando somos jovens que não devemos ter - ou que somos o sexo fraco, o sexo que não gosta de sexo”, conta-nos.
“Quando comecei nos blogues, falava sobretudo sobre a maternidade e mesmo isso, esse lado, não era falado. E essa foi a razão pela qual fiz tudo isto, na verdade. Não porque quisesse ser a voz que não era ouvida, mas porque me sentia tão sufocada, ninguém falava sobre como me estava a sentir, e eu não estava a aguentar. Sentia que estava louca, tão sozinha, uma falhada absoluta, que não era boa mãe, e só precisava de um escape. Mesmo se isso significasse que o mundo me apontasse o dedo e dissesse que eu era a pior mãe do mundo, eu preferia isso e ser autêntica, do que apenas continuar com a máscara que estava a tentar colocar”, desabafa. “E foi então que percebi:, uau, tantas pessoas se relacionaram e disseram ‘obrigado por falar e dizer isto, estou tão feliz de saber que não estou sozinha’”.
Até hoje, é o que tem acontecido com todos os temas: incluindo a recente mudança para Portugal e respetivos desafios. Tova conta o motivo da mudança.
“Morei em Londres durante 20 anos, o meu marido morava em Londres, as filhas nasceram lá… Mas não sei, acho que foi a Covid que nos fez perceber que a vida é curta, e temos de viver e fazer o máximo, porque não sabemos realmente quanto tempo temos. E nós tínhamos vindo a Portugal alguns anos antes, de férias; e tínhamos amado: amávamos o clima, as pessoas, as praias, o mar, tudo. Então eu disse basicamente ‘vamos mudar para Portugal’. Foi a coisa mais aleatória, não havia trabalho, um emprego, um motivo, além do simples ‘vamos fazer isto”, explica.
A escolha teve também, ainda assim, um lado funcional, pela proximidade com o Reino Unido e com a família que por lá ficou. Passados dois anos, a experiência de morar na zona da Grande Lisboa tem sido positiva.
“Estamos a adorar. Continuamos a ir ao Reino Unido, a viajar pelo mundo, mas gostamos de voltar”, explica. Também a mentalidade dos portugueses impressionou a escritora: “eu adoro o Reino Unido e adaptei-me perfeitamente ao país e à mentalidade de lá, tive e tenho muito bons, amáveis, calorosos, amigos; mas amo a mentalidade geral aqui. Parece tudo mais quente, familiar; e adoro isso”, frisa.