Protagonismo no feminino acentua o tom trágico do original de Shakespeare. "Macbeth - Rei da Escócia", de Thomas Day e Guillaume Sorel, já está nas bancas.
Corpo do artigo
Com a adaptação de romances em banda desenhada de novo em alta, assiste-se a dois tipos de abordagem: a aposta numa leitura mais simplificada e linear para tentar seduzir os mais jovens ou aproveitar a oportunidade para fazer brilhar tanto o original quanto a sua versão aos quadradinhos.
"Macbeth, Rei da Escócia", que a editora A Seita acaba de lançar, segue a segunda via.
Tendo como ponto de partida a obra de William Shakespeare que muitos poderiam citar como tal, mas menos seriam capazes de resumir e situar, assume uma traição ao dramaturgo inglês, pois o argumentista, Thomas Day, declara ter tomado como ponto de partida a tradução de François-Victor Hugo, de 1866. Ou seja, mais de 200 anos depois da obra original, e numa outra língua, embora "tendo sempre como fonte... o texto na língua original" nas citações, numa versão que define como de "alta traição".
"Macbeth" é uma narrativa de tom trágico, baseada num regicídio e nas respetivas consequências, ambientada numa Escócia rude e feudal. Nela, acompanhamos um general apreciado por todos que, empurrado por uma profecia de três bruxas que o apontam como futuro Rei da Escócia, mata o seu senhor e ocupa o seu lugar, desposando ainda a sua mulher.
Em nova traição, Day faz desta a (verdadeira) protagonista: ambiciosa, implacável e impiedosa, disposta a tudo em nome do sonho de ser rainha, mesmo que isso se torne um pesadelo para os demais.
A obsessão, a violência e a submissão implícita que exalam da obra são enfatizadas pelo grafismo de Sorel, num misto de realismo, rudeza e traço agreste que sublinha o lado demoníaco de Lady Macbeth e o sofrimento e divisão interiores do novo monarca, acentuando o peso dos seus remorsos, em consequência das ações funestas de que foi cúmplice ou perpetrador em nome da pulsão sexual, do desejo e do fascínio que sobre ele exerce a futura co-soberana.
Em simultâneo, Sorel confere ao relato a dimensão épica que era exigida, adicionando a uma planificação aparentemente caótica, vinhetas de comprimento duplo em paginas contíguas para criar cenas sobredimensionadas que retratam planos de conjunto, a desolação dos cenários escoceses, o tom sangrento e sanguinário de determinados momentos ou tão só a força visceral das personagens.