Terminou ontem de madrugada o festival que levou 60 bandas à ilha de São Miguel.
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Nem as famosas “quatro estações no mesmo dia” da ilha de São Miguel - nesta fase do ano particularmente vincadas - demoveram as mais de 1500 pessoas de 29 países que esgotaram os bilhetes do Tremor de circularem pelos 60 concertos e outras atividades que preencheram o cartaz do festival que terminou ontem de madrugada.
Em jeito de balanço, Márcio Laranjeira, da direção do Tremor, diz-se satisfeito pela adesão do público nâo só aos nomes consolidados, mas também aos projetos mais “frágeis e arriscados”. “Há uma missão que não se esgota em trazer artistas estrangeiros, passa também por dar palco aos que vivem nos Açores. Nesse sentido, este ano foi o apogeu dessa relação com a comunidade local”, diz Laranjeira.
Um apogeu que se traduziu na maior participação de sempre de músicos do arquipélago - 22 - e na concretização de projetos nascidos no âmbito do festival, como a banda Sou Sim Zero, que integra membros da Associação de Surdos da Ilha de São Miguel. Coordenados pela Ondamarela e com a participação de outros coletivos, juntaram 72 pessoas de várias idades para um dos espetáculos mais marcantes desta edição: diálogo da música tradicional com improvisos contemporâneos sob a égide da poesia de Adília Lopes
Também triunfal foi o encontro da Escola de Música de Rabo de Peixe com o compositor e saxofonista francês Guillaume Perret no Coliseu Micaelense. Jazz a navegar entre a eletrónica, o rock e o funk. Não foi só giro, inclusivo, etc. Foi brilhante.
Outros momentos notáveis do Tremor 2025 incluíram o surpreendente Joseph Keckler, norte-americano com potência de tenor que canta, em alemão e italiano, sobre temas comezinhos ou surreais: tanto descreve a sua busca pela amada usando um GPS como conta: “Tive sexo com um fantasma; foi estranho, mas não foi mau.” O humorismo em registo operático poderia esgotar-se, mas Keckler mostrou amplos recursos, vogando entre ‘standards’ como “I put a spell on you” e composições próprias de cariz mais intimista, onde revelou todo o alcance da sua voz. Divertido e comovente, é nome para acompanhar à lupa.
A presença africana no festival traduziu-se também em grandes momentos: o afrofuturismo dos congoleses Fulu Miziki; a pop flamejante do queniano Kabeaushé; e a alquimia escura dos Fidju Kitxora, coletivo de portugueses e caboverdianos que absorveu compêndios de música africana e os verte para ambientes densos e pulsantes de clubbing. Uns “Aphex Twin africanos”, como alguém os descreveu.
Nota ainda para a guitarra cinemática da açoriana Eugénia Contente, para o psicadelismo tenso dos escandinavos Fire!, e para os 800 Gondomar, que com o seu rock cru e selvagem varreram o mercado da Ribeira Grande.