Angel Bat Dawid, Tramhaus e Dame Area entre o melhor do segundo dia do festival açoriano Tremor, que segue até sábado.
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É uma bela metáfora do que isto é e é ilusionismo puro: a primeira exposição do Tremor Açores, festival multipolar com cabeça e "core" de música e braços pluridisciplinares, é uma exposição de pássaros imaginários e provoca imagens auditivas. É "Ornitofaunia", criação mirífica de Carolina Garfo e Lendl Barcelos no Museu Carlos Machado, Ponta Delgada, cofre da taxidermia faunística da ilha. A dupla criou um inventário sónicos de aves utopistas de S. Miguel (que bem podiam integrar o "Livro dos seres imaginários", de Borges (onde imperam hidras e dragões que fazem relatórios aos céus superiores no último dia de cada mês): o ronco-europeu, que caça vacas açorianas de manhã; o garro-do-longe, um místico que só se ouve se estivermos ao longe; o longo-real, espampanante sedutor que plagia golfinhos; o bufa-bufa, noturno de olhos-boca salientes que canta harmonias multifónicas; e o molhadinho, ave marinha cheia de graça que imita o som borbulhante das águas férreas das Furnas. Como funciona isto? Os pássaros fictícios são de cerâmica, o espectador sopra-lhes, eles cantam maviosos. Dali toda a gente sai a sorrir - pelo menos até se cruzar com o titânico tubarão empalhado que mostra os seus dentes desdenháveis logo à boca do museu.
A Nina ácida iemanjá
E ao dia 2 do Tremor, como um brusco meteorito preto glaciar, caiu no Porto de Pesca de Rabo de Peixe uma joia de grande brilho e dureza: Angel Bat Dawid, mulher, 43 anos, Chicago, colossal, amalgama do fantasma de Nina Simone e duma agrodoce iemanjá. Angel, maestro de réquiens afro-futuristas, juntou-se à Banda Fundação Brasileira e dispuseram-se todos, uns 30, com cordas, clarinetes, fagotes, tubas e graves timbalões, debaixo do estaleiro dos pescadores - e eles chegaram-se aos de fora com os seus sotaques desconfiados.
Ao lado do mar cinzento como o céu, alguns sentados ou deitados no chão de chumbo, ouvimos agonias ancestrais, blues e espirituais, ela vai da poesia de Margaret Burroughs até a música de Mozart ou Yusef Lateef, e trememos com a peça operática de grandiosas dissonâncias, o seu gospel negro da tempestade.
Espectadores cinestésicos e sensíveis, em permanente movimento, variegados entre o brilho, o vento e a escuridão, a noite fechou de novo nas Portas do Mar - o auditório é a caixa negra do Tremor - com Dame Area, duo de uma bela irrequieta e resoluta (Silvia Konstance) e um Wolverine barcelonês (Viktor L.Crux); é tecno-punk, é electro-industrial, é tribal, é, também fez suar.
Antes, sob os lustres do Ateneu Comercial a apinhar houve um braseiro: Tramhaus, quinteto pós-punk de Roterdão com o vocalista Lukas Jansen - cabelo de Jaclyn Smith, bigode de Charles Bronson -, um performer com as ancas elétricas de Jagger, já entre o melhor do festival. No fim do motim, davam-se classificações de 0 a 200 - para a banda 170, para Jansen 190 a chispar.