Em pleno estado de emergência, os espaços culturais por todo o país fecharam as portas e foram obrigados a cancelar a programação dos próximos meses. Porém, em tempos excecionais como os de uma pandemia, a poesia ao telefone tornou-se uma "arma" para combater o isolamento.
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"Respira, tu que estás numa cela abafada, / esse ar que entra por ela. / Por isso é que os poemas têm ritmo / - para que possas profundamente respirar. / Quem faz um poema salva um afogado". As palavras são do poeta brasileiro Mário Quintana e poderiam servir de mote às chamadas telefónicas, que por estes dias levam a literatura a várias pessoas isoladas em casa. Os telefones tocam a partir de Viseu, pelo Teatro Viriato, e de Lisboa, pela Casa Fernando Pessoa. "É uma espécie de farmácia para a alma", diz Patrícia Portela, diretora do Viriato.
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O teatro de Viseu foi obrigado a mudar a programação em sequência do fecho de portas, motivado pela pandemia de Covid-19 que atingiu Portugal. No entanto, os funcionários e os artistas continuaram a fazer arte em regime de teletrabalho . O Viriato criou um consultório (em parceria com a associação cultural Prado) que atende as chamadas de todos os queiram desanuviar durante o isolamento. "Liga-se para a bilheteira e faz-se a marcação como para um espetáculo. As peças são de 15 minutos como uma consulta", explica Patrícia Portela. As chamadas são atendidas por uma "assistente", a Celeste Aurora.
São consultas pessoais e intransmissíveis. Ninguém as ouve.
A iniciativa está inserida num "Festival Telefónico" e já se faz com várias "especialidades": as primeiras consultas foram de poesia, as segundas para os mais novos e as próximas fazem parte de um consultório turístico, com chamadas de artistas a residir por todo o mundo. Quem ligar para o Teatro Viriato, em Viseu, poderá inscrever-se numa "consulta" e falar com coreógrafos, encenadores, escritores e bailarinos a viver em Macau, Amazónia, Lisboa, Funchal, Porto Alegre e Fortaleza a 10 e 11 de abril. "São consultas pessoais e intransmissíveis, ou seja, ninguém as ouve, não são gravadas e mais ninguém assiste. É mesmo de um para um", afirma a diretora do espaço cultural de Viseu.
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Numa altura em que se discute e problematiza o financiamento da cultura em tempo de pandemia, Patrícia Portela esclarece que os artistas que participam na iniciativa são pagos, muito embora as chamadas sejam gratuitas para o público. "Não chega pôr uma fita-cola ou criar uma linha SOS. Temos de fazer e responder aos tempos com soluções de futuro", defende ao JN.
Ouvir Fernando Pessoa em Bragança
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Ouvir poemas de um dos maiores nomes de Portugal pode "salvar-nos" em tempo de pandemia? É uma pergunta sem resposta. Mas, os heterónimos de Fernando Pessoa teriam uma ou mais coisas a dizer sobre a Covid-19. O programa "Leituras ao Ouvido" da Casa Fernando Pessoa leva as palavras deste poeta (e de outros) a todos os que assim o desejem através do telefone. "Pensamos na ideia de isolamento que já vem de outras épocas. No entanto, esta época é completamente atípica e nova para todos", diz Clara Riso, diretora deste espaço cultural.
"Leituras ao Ouvido" está mais dirigido para as pessoas fora das redes sociais, que poderão padecer ainda mais do distanciamento social, e querem a abstrair-se da preocupação e da incerteza da pandemia. "São telefonemas sem pressa, onde estamos à espera do contacto direto, de um para um. É tempo que estamos a dar uns aos outros", esclarece ao JN.
São telefonemas sem pressa
As chamadas podem durar até 14 minutos, dependendo do texto que se lê e da pessoa que está do outro lado. Para participar, só tem de se inscrever e aguardar por um telefonema da Casa Fernando Pessoa. Na semana passada, "Leituras ao Ouvido" teve 90 inscrições, o que obrigou a "recrutar" mais leitores. Além dos funcionários da Casa Fernando Pessoa, juntaram-se mais 20 pessoas: voluntários da EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural em Lisboa) que vão assegurar algumas das chamadas e dos poemas lidos.
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"Não fazemos muitas perguntas, para não maçarmos as pessoas e por uma questão de privacidade", explica Clara Riso, que assume também é leitora da iniciativa. Mas há vozes que dizem muito: há ouvintes novos e mais velhos e a viver em vários pontos de Portugal como Porto, Vila Nova de Gaia, Cascais e Bragança. E há mais emoção do que razão nestes telefonemas: algumas pessoas já se comoveram ao telefone, outras contaram histórias e recordaram o primeiro livro que compraram quando eram crianças. "É outro tipo de apoio social com uma grande dose de gratidão e afetividade", conclui.
"Leitura ao Ouvido" - Casa Fernando Pessoa
Inscrições pelo 914342537, das 10 horas as 14 horas
Telefonemas nos dias úteis a partir das 16 horas
Consultório Turístico - Teatro Viriato
10 e 11 de abril
Inscrições pelo 924 454 409