O Grande Prémio de Literatura DST entrou na terceira década com um festival que tomou Braga com lugares incomuns.
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Em noite de sexta-feira, num café apinhado de gente apressada em descansar, depois de uma semana de trabalho, irrompe um poema. Num quartel de bombeiros, noite alta, a rasar a madrugada, uma poetisa e um ator preparam-se para ler poesia para os sapadores do turno da noite. Um convite para dançar deitado, com oferta do pequeno-almoço ao raiar do sol, ou uma consulta poética em que os tratamentos passam por música, dança ou poesia. Foi desta matéria que se fez o festival que celebrou o 30.º aniversário do Grande Prémio de Literatura DST, este ano atribuído a Luísa Costa Gomes por “Visitar Amigos e outros contos”.
Poesia para bombeiros
A poetisa Filipa Leal e o ator Pedro Lamares tinham acabado de chegar ao quartel dos Bombeiros Sapadores de Braga, ainda estavam a descarregar os livros e a fazer as apresentações, quando a sirene, inoportuna, disparou. Acidente com vítimas encarceradas. Azáfama organizada no quartel e, em poucos minutos, saiu uma viatura com 12 operacionais para prestar socorro. A assistência do “Labor da Noite” - o número do festival que levou poesia aos trabalhadores noturnos - ficou reduzida a oito. “É melhor começarmos, porque pode piorar”, avisou o sub-chefe principal Carlos Carvalho.
Todos sentados e prontos para começar, chegam músicos jazz, uma bailarina da Companhia Nacional de Bailado, mas ainda a tempo, José Teixeira, o presidente do grupo DST. O ecossistema do quartel está definitivamente alterado. “Ó Portugal, se fosses só três sílabas,/ linda vista para o mar,/ Minho verde, Algarve de cal”, de Alexandre O’Neill, ainda assim, não soou estranho, dito naquele lugar. Alguns poemas colheram fortes aplausos, outros talvez fossem um convite ao silêncio, porque ninguém buliu. “A defesa do poeta”, de Natália Correia, colheu o aplauso unânime. A maior parte dos anfitriões nunca tinha ouvido dizer poesia, mas o sub-chefe não quis deixar sair os convidados sem antes declamar umas quadras escritas em cima do joelho para a ocasião: “A Domingos da Silva Teixeira,/ Agradecemos com alegria!/ Deu-nos uma noite à maneira,/ Deu-nos uma noite de poesia”.
No café Chave d’Ouro, um grupo do Sindicato de Poesia fez uma leitura de poesia, levemente encenada: “Sigam o guarda-chuva verde” é poema de João Luís Barreto Guimarães e foi objeto que, na mão de António Durães, sinalizou o início da performance. “Eu uma vez tive um namorado”, magnificamente declamado por Marta Catarino, e outras leituras, mereciam outra atenção de uma audiência pouco habituada a estas “excentricidades”.
José Teixeira admite que não é fácil implementar algumas destas ideias. “Queríamos levar as ‘consultas poéticas’ à prisão de Braga, como já fizemos em Guimarães, mas o diretor não nos deixou. Alegou que não tinha condições de segurança”, queixou-se. “É uma pena que haja pessoas com esta visão limitada. Não podes acrescentar miséria em cima da miséria”, sinalizou. As consultas acabaram por se fazer nos jardins da livraria Centésima Página, para um público já mais habituado a curar as suas maleitas com um livro, ou com outro remédio artístico qualquer.
Entrega do prémio
Alheio à agitação, mas a participar no festival, esteve o grupo que se juntou na ludoteca da estufa, de saco-cama estendido no chão, a gozar da atmosfera criada por dawn dani, du-das e alcrud3, que fizeram o som e diogo mendes que pintou a luz - foi o “clube do sono”. o festival encerrou, na noite de sábado, com a gala de entrega do grande prémio de literatura dst, atribuído a Luísa Costa Gomes por “visitar amigos e outros contos”, seguida de um concerto em que Mayra Andrade revisitou o seu repertório de forma intimista.