Retrospectiva integral do cineasta malaio foi a mais vista de sempre no Batalha Centro de Cinema, no Porto. JN assistiu à conversa pública entre o artista e o seu ator-fetiche Lee Kang-sheng.
Corpo do artigo
A retrospetiva integral do cineasta malaio Tsai Ming-Liang termina na quarta-feira no Batalha Centro de Cinema (BCC), no Porto, e foi “a mais vista de sempre” na instituição, revelou o seu diretor artístico Guilherme Blanc.
Este domingo à tarde, o ciclo teve o seu ponto alto com uma sala cheia para ouvir a conversa com o realizador e o seu ator, e cúmplice, Lee Kang-sheng, que desempenha sempre o papel de Hsiao-kang.
Durante uma hora meia, em mandarim traduzido para português, Tsai revelou que cada vez mais lhe interessa fazer trabalhos para museus, porque “os conceitos económicos são os que movem as salas de cinema, contrariamente aos museus, que são movidos por critérios artísticos”.
Entre outras confidências, contou que em criança via duas sessões de cinema por dia: "Os meus avós tinham um negócio de comida de rua, o meu avô ia sempre à sessão das sete e a minha avó à sessão das nove, e eu ia à duas”. Falou também da importância do sonho e do sono dizendo que o seu filme “Goodbye, Dragon Inn” (2003) nasceu justamente de um sonho.
Sobre a sua relação com o ator Lee Kang-sheng, confessou que é “um exercício de tempo, de como o "vemos envelhecer.” Lee revelou que a relação entre ambos é tão próxima que o guião "só se sabe no dia anterior a ser gravado". E ainda: "Mas é necessário estar em muito boa forma física, porque isso obriga a que muitas vezes tenha de fazer 20 a 30 vezes o mesmo take. Como aconteceu com filmes em que tinha de fazer cenas de dança e de kung fu", confessou.
Cada fotograma é uma poesia silenciosa: para Tsai Ming-Liang, esta verdade é a mais realista possível. " Não acredito em diálogos, muito menos em diálogos no meu cinema, porque na vida real às vezes falamos, outras permanecemos em silêncio, porque não temos um guião para cumprir", revelou.
No seu universo fílmico, onde a solidão é palpável e os gestos quotidianos são ricos em significados, Tsai não pretende apenas filmar; quer transcender-se, transformar o banal numa experiência estética profunda.
"A solidão é também a representação mais realista que temos, porque nascemos sozinhos e morremos sozinhos. Se entendermos a solidão, conseguimos assim desfrutar da companhia das outras pessoas. Além disso, a solidão é a fonte da criatividade", teceu.
Como pintor que também é, Tsai Ming-Liang dá vida à sua tela com pinceladas cuidadosas, cria um mundo à parte onde o tempo se desdobra em ritmo lento. É por isso que existem trechos como o do filme "Vive l'amour" (1994) em que uma mulher fica a chorar por seis minutos seguidos, "algo que toda a gente me disse que ia ser demasiado longo. Mas, todas as opiniões são subjetivas, é como olhar para uma pintura: cada pessoa tem a sua interpretação".
Nas suas mãos, Tsai pretende que o cinema transcenda "o mero entretenimento, tornando-se uma experiência contemplativa, uma jornada sensorial que nos convida a refletir sobre a beleza efémera da vida e a fragilidade das nossas ligações".
Aberta a sessão de perguntas ao público, muitas das questões eram relacionadas com a simbologia que Tsai Ming-Liang utiliza na sua cinematografia, como o recurso às melancias.
"Eu adoro melancias, e sempre que vejo alguém fatiar uma melancia na rua vejo a cara de uma pessoa. No meu filme 'O sabor da melancia'" (2006), a melancia era um recurso sobre a falta de água. Precisamos de água para viver, mas a água pode ser límpida ou turva", explicou.
O último filme do seu ciclo no Batalha Centro de Cinema será "Days", vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, que marca o regresso de Tsai Ming-Liang ao cinema de ficção, após um hiato de sete anos, um esforço para “desindustrializar o processo” da realização de filmes. A sessão decorre na quarta-feira, às 19.15 horas.