"Enciclopédia da estória universal: deuses e afins" e "A flor e o peixe, os dois novos livros de Afonso Cruz, convergem na recusa da compartimentação.
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Aforismos, poemas, reflexões, microhistórias e, acima de tudo, iluminações, tudo - com exceção da banalidade - parece caber na "Enciclopédia da estória universal", um projeto a que Afonso Cruz regressa com frequência, para deleite de quem entende que os livros são mapas de liberdade que nos oferecem uma possibilidade infinita de caminhos.
À semelhança dos cinco volumes anteriores, o autor agrupa cada nova incursão nesta espécie de versão alternativa da História numa temática comum, mas sem que essa coerência coloque em causa a pretendida diversidade.
Em "Deuses e afins", a abordagem excede o prisma meramente religioso. Fortemente presente está a convocação da ideia de Deus, que dirá, na ótica do autor, muito mais sobre quem o imaginou do que, efetivamente, sobre as características da suposta entidade.
Recorrendo a pensadores de parte incerta - alguns dos quais transitam entre os seus próprios livros, como Gunnar Helveg, de "Para onde vão os guarda-chuvas" -, Afonso Cruz tece uma laboriosa, mas sobretudo inventiva, teia de conhecimentos que radica, antes de mais, na cumplicidade.
Já em "A flor e o peixe", lançado no mesmo período temporal do anterior, estamos bem mais próximos de uma fábula ao melhor estilo oriental, embora sem jamais abdicar dos pressupostos poéticos e filosóficos que marcam a escrita de Afonso Cruz.
Dois textos breves de José Saramago, "O silêncio da água" e "A maior flor do mundo", são a raiz desta história, ilustrada pelo próprio autor, em que também encontramos reminiscências assumidas de "O velho e o mar" ou "Moby Dick". A velha luta entre o homem e o animal - ou, em última instância, contra a própria natureza - é aqui assumida por duas personagens muito próprias: um rapaz desprovido de posses e um peixe que se recusa a apanhar. De permeio, ainda encontramos seres sonhadores, como uma menina cuja paixão maior é semear a beleza através da oferta de flores às pessoas com quem se vai encontrando.
"Enciclopédia da estória
universal - Deuses e afins"
Afonso Cruz
Alfaguara
"A flor e o peixe"
Afonso Cruz
Companhia das Letras