"Psicose 4.48" é um retrato acutilante sobre a desesperança, em cena em Matosinhos
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A atriz Maria Torres tem 28 anos, a idade exata que a dramaturga britânica Sarah Kane tinha quando decidiu despedir-se da vida, em 1999, num hospital psiquiátrico em Londres.
"Psicose 4.48" último texto escrito por Kane é interpretado pela crítica como o seu testamento, e é este relato que Maria Torres e Vítor Ferreira, dois artistas sub-30, levam à cena do Teatro Municipal Constantino Nery, em Matosinhos, amanhã, às 21.30 horas.
A referência a Artaud e ao seu teatro da crueldade habita espectralmente toda a produção, quer pelas circunstâncias de vida que teve, quer pela forma como foi construída a cena.
Pela complexidade e intensidade emocional, o monólogo "Psicose 4.48" (referência à hora em que Kane acordava), foi sendo interpretado mundialmente por atrizes mais velhas, o que dá uma grande vantagem a Maria Torres pela frescura que traz ao papel. Frescura. Não leveza.
Nem só os vividos e sofridos têm corações empáticos e no acutilante discurso a sua frágil figura, um paradoxo com a energia que desprende - espiralmente concêntrica, como um animal que insiste em mutilar a cauda, tornam tudo mais comovente.
Não há por parte do espectador um assinar de contrato em que temporariamente suspendemos a realidade e acreditamos em tudo o que nos estão a contar num espaço teatral. Aqui tudo é verdade, pulsante e latente, mas isento de histeria.
Desengane-se quem pense que vai assistir a uma pieguice balofa, insuflada por cenas de fazer chorar as pedras da calçada. Maria Torres está num estado muito "para lá das lágrimas". Ela é um relato vivo de desesperança.
Do seu saco de lixo negro, onde insiste entrar, retira memórias e, com construções frásicas amparadas pelas curas químicas a que foi sujeita, dá pistas para que o espectador consiga construir as suas constelações de dor. A depressão e a dor são transversais à Humanidade e tem uma infiltração silenciosa, escute-se com atenção.
Depois de passar por Matosinhos, o espetáculo estará em cena, de 21 a 23, na CAL-Primeiros Sintomas, em Lisboa.
Psicose 4.48
Teatro municipal Constantino Nery- Matosinhos
Sábado, 21.30 horas