Os trabalhadores da Cultura não param de aumentar. Foram mais nove mil no ano em que o setor fechou.
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Os dados parecem paradoxais. No ano de 2020, a pandemia obrigou, em março, à paragem forçada de muitos setores de atividade. A área da Cultura sofreu um dos impactos mais dramáticos, sendo uma das primeiras a parar, mas o emprego e o número de empresas aumentaram.
Segundo os dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2020 a população empregada no setor representou 2,9% da globalidade do emprego em Portugal: um total de 141,2 mil pessoas, mais 9 mil do que em 2019; uma subida de 6,8%. Este é o valor mais elevado desde 2012, em que trabalhavam na Cultura 103,9 mil pessoas.
O acréscimo não foi só no emprego, pois também houve subida no número de empresas. De acordo com os dados provisórios de 2020, ascenderam a 70 406 (+7,1% do que em 2019), sendo as de atividades de apoio às artes do espetáculo as que mais cresceram (24,4%).
Números cegos
Rui Galveias, do CENA-STE (Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos) descodifica estes dados: "Com a pandemia, houve uma série de pessoas que foram a correr abrir atividade para voltar ao sistema". Num setor em que a informalidade e os vínculos precários e de curta duração são dominantes nas relações laborais, e onde metade dos trabalhadores não ganha mais do que 600 euros por mês, segundo dados do Observatório Português das Atividades Culturais, é facilmente compreensível a procura de redes de proteção social.
Outra das justificações para o acréscimo, segundo Rui Galveias, foi o facto de a Direção-Geral das Artes "ter apoiado, excecionalmente, todas as estruturas elegíveis a concurso, uma medida muito positiva que gerou emprego, mas que devia ser permanente", afirma ao JN.
A pandemia também expôs o facto de existirem trabalhadores da Cultura com CAE (registo de Classificação das Atividades Económicas) equivocado. A retificação dessa situação também levou ao aumento do número de empregados no setor.
No total do emprego cultural, 50,1% eram homens (70,8 mil homens e 70,5 mil mulheres). É uma das áreas profissionais com maior paridade. Em termos etários, 68,3% tinham mais de 35 anos. Na cultura predominam os trabalhadores com o Ensino Superior - 65,4%, face aos 30,1% no total da economia nacional.
Com a pandemia, o pânico
Sílvia Silva, produtora de teatro do Algarve, chegou a janeiro de 2020 sem trabalho, mas sem grandes preocupações: "As duas produções que tinha estavam apalavradas". Chegada a pandemia, foi "o pânico". Uma situação resolvida apenas quando as companhias tiveram apoios e precisaram dos seus serviços. Resolveu então formar uma "empresa para assegurar algum apoio social".
O mesmo aconteceu com Rui Santos. "Sou designer de luz e se não houver espetáculos não há trabalho. Ia fechando a atividade e voltando a abrir", explica. A fórmula foi funcionado na era pré-covid-19. Agora, com a atividade fechada, não pôde recorrer a nenhum apoio. Ao primeiro trabalho que teve não fechou a atividade, mas também não conseguiu um contrato.
Estudo
Relações laborais no meio cultural
O OPAC, Observatório Português das Atividades Culturais conduziu um "Inquérito aos Profissionais Independentes das Artes e da Cultura", com trabalho de terreno em outubro e novembro de 2020. Oito em cada dez dos que responderam dizem que a relação da condição de profissional independente com a natureza e duração do trabalho ao projeto é uma das principais características do trabalho artístico e cultural. Apenas 24, 5% disseram não pretender um contrato de trabalho - nesta opção de resposta os homens foram os mais concordantes (27% contra 23%), assim como aqueles que se encontram no escalão etário 45-54 anos (29%).