“O 25 de Abril nunca aconteceu” é a abordagem da Palmilha Dentada à revolução. Em cena no Teatro Carlos Alberto ate dia 27 de abril.
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No fundo do palco, as imagens de um Porto cubista, com edifícios sobrepostos em novas relações e proporções, dão mote a uma realidade alternativa onde a revolução dos cravos nunca existiu. Salgueiro Maia não chegou à cena da granada, porque no semáforo que estacou a coluna de chaimites passou o vermelho e bateu contra um camião. Portanto, a PIDE ainda existe, Angola é nossa e na clandestinidade conspira-se. Eis a Palmilha Dentada a abordar os 50 anos do 25 de Abril.
Não sem algum pudor, confessa Ricardo Alves, encenador e dramaturgo: “Havia o perigo de tornar a situação demasiado ridícula. Houve o respeito que as coisas inquietantes merecem.” Mas a opção pode ser um contributo ínvio para refrescar a memória: “Os mais novos não têm noção do que foi a ditadura nem a alegria bêbeda do 25 de Abril, onde ficou demonstrado que temos capacidade para mudar as coisas.” Hoje, diz Ricardo, “não precisamos de outra revolução, mas sim de uma luta diária para aprimorar o que temos.”
No Portugal alternativo da Palmilha, onde ecoa a linguagem de filmes como “O pátio das cantigas”, só mudaram os adereços: em vez de socas, há crocs (objeto proibido como a coca-cola); além das notas, há bitcoins; e os esquemas de burla, levados a cabo por um dos membros da família Freitas, aproveitam-se agora das potencialidades do chat. De resto, continuam os bufos, as idas a Badajoz, a perseguição aos gays, a desconfiança, o medo, a censura. Nesse Mundo atávico, ensaia-se uma realidade alternativa: o espetáculo “O vinte e tantos de Abril não nos falhou”.
Além da dupla emblemática da Palmilha, Rodrigo Santos e Ivo Bastos, a montagem conta com atores que viveram a ditadura, como Filomena Gigante, Eloy Monteiro ou Mário Moutinho, que diz ter trazido “a noção do que mudou e do que nunca mudou”. “O que estava reprimido explodiu, era agora possível sermos felizes”, diz o ator. E revelou que o final do espetáculo foi alterado em função dos resultados eleitorais: “O último ato deixou de ser alegre e passou a ser de susto.”