Joseph Roth acompanha um deserdado do Império Austro-Húngaro no seu derradeiro livro, “A lenda do santo bêbedo”, editado em 1939.
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Um vagabundo esfarrapado e alcoólico deambula por Paris e dorme por baixo das pontes do rio Sena. Num dos seus torpores, tem um golpe de sorte – ele acredita que é um milagre – e recebe 200 francos de um desconhecido. A única contrapartida, diz-lhe o homem, é que devolva esse dinheiro, quando puder e se a consciência o obrigar, a um padre da igreja de Sainte-Marie des Batignolles, onde se encontra a estátua de Santa Teresa de Lisieux.
Declarando-se um homem honrado, Andreas compromete-se a pagar a sua dívida à santa.
Seguem-se dias recheados de outros milagres, com o vagabundo a tropeçar na sorte e a acumular dinheiro, que vai gastando frivolamente em tabernas e casas de alterne de Paris.
Andreas tem a santa na cabeça, várias vezes se dirige à igreja com a intenção de pagar a sua dúvida, mas é sempre desviado por alguém no último momento e a redenção vai sendo adiada, num corrupio alienado pela cidade.
Há uma passagem que parece saída de um filme de Éric Rohmer e que descreve bem a sua errância existencial: “Viram à sua frente a deslumbrante noite de Paris, e não sabiam o que fazer com ela, como não o sabem as pessoas que não estão destinadas uma à outra e que só se cruzaram por mero acaso”.
Publicado no ano da morte de Joseph Roth (1894-1938), “A lenda do santo bêbedo” (Edição Relógio d'Água) integra-se numa fase de melancolia nostálgica sobre o fim do Império Austro-Húngaro, iniciada com a sua obra-prima “A marcha de Radetzky” (1932).
Nascido em Brody, atualmente parte da Ucrânia, Joseph Roth é associado, juntamente com escritores como Stefan Zweig, ao “mito dos Habsburgo” – uma ideia de passado ideal no espaço do antigo império e que alguns relacionaram com a ascensão do nacional-socialismo, mas também com a construção da União Europeia.
A personagem do livro é um deserdado desse tempo, alguém sem “heimat” (uma terra-mãe), que se vai finando, sem laços nem destino, num Mundo às portas da II Guerra Mundial.
A adaptação de "A lenda do santo bêbado" para cinema, em 1988, com o ator Rutger Hauer no papel de Andreas, valeu ao cineasta italiano Ermanno Olmi o Leão de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Veneza.