Encenador Pedro Penim confronta as normas que persistem de um certo Portugal em "Casa portuguesa". A peça pode ser vista no Teatro S. João, no Porto, entre esta quinta-feira e o dia 21 de janeiro.
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A casa portuguesa que se vê em palco parece saída de Mariupol: paredes grafitadas e greladas, um enorme rombo no teto, erva a crescer nos cantos, pedaços de uma estátua espalhados pelo chão. Mas a destruição, no primeiro espetáculo de Pedro Penim enquanto diretor do Teatro Nacional D. Maria II, é sobretudo simbólica - há um Mundo que deve desaparecer.
"A história começa numa cidade que mudou de nome": Maputo, a Lourenço Marques do Império. E na primeira cena encontramos o Fado Bicha (Lila Tiago e João Caçador) a criticar jocosamente a letra de "Uma casa portuguesa", fado escrito em Moçambique, nos anos 1940, que cristaliza uma certa ideia de Portugal sob o Estado Novo. "Uma triste vida em diminutivo", diz Lila, que questiona a perenidade dos nomes - das cidades, das pessoas, das coisas. A fluidez é a clave de "Casa portuguesa".
No centro do espetáculo está um ex-combatente da Guerra Colonial (um excelente João Lagarto), que é uma referência direta ao pai do encenador e dramaturgo, Joaquim Penim, e aos seus diários de guerra "No planalto dos Macondes". Isolado numa casa em ruínas, é visitado por fantasmas, que na verdade são encarnações de tópicos dominantes na produção artística atual: feminismo, estudos de género e pós-colonialismo.
Não sendo exatamente personagens, mas sim "posições" - e há muito teatro épico nesta "Casa" -, debitam a sua doutrina sobre o homem que pertence a um passado que é necessário varrer.
O didatismo tornar-se-ia exasperante, não fosse a teatralidade e a existência de um verdadeiro personagem, alguém com dúvidas: quando a sua filha diz que a frase "os homens são lixo" tem a virtude de provocar o diálogo, o veterano pergunta-lhe se será diálogo ou gritaria. E a uma das cavalgadas argumentativas sobre género, riposta que a "obsessão identitária não inclui, exclui".
Mas o seu fim é obrigatório para que floresça uma nova História, uma nova família, uma nova casa. Mesmo que tudo seja incerto, como se lê na "Carta ao pai", de Franz Kafka, outro dos materiais de "Casa portuguesa", quando o filho confessa ter mais dúvidas sobre si mesmo do que sobre o pai.