Em "Uma catastrófica visita ao zoo", Joël Dicker aventura-se num registo distinto do habitual em nome da promoção literária.
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Na literatura sobretudo, mas não só, há que desconfiar sempre das boas intenções, em nome das quais tantas vezes são cometidos os maiores atentados (linguísticos, entenda-se). Por isso, quando o popular escritor suíço Joel Dicker anunciou a intenção de escrever um romance “dos 7 aos 120 anos, que pudesse ler lido e partilhado com os vossos filhos, os vossos pais, vizinhos, amigos ou colegas de trabalho”, qualquer ser vivo com um sentido crítico superior ao de uma ameba ficou decerto logo de pé atrás, tal a suspeita de que o livro em causa pudesse vir a ser uma espécie de um manual de boas práticas do escutismo, desprovido, ainda por cima, dos ensinamentos úteis que estes costumam trazer.
Lendo “Uma catastrófica visita ao zoo”, é com um certo alívio que constatamos que a “ameaça” não se confirma em pleno, mas, todavia, a recorrência do politicamente correto e uma certa propensão para o didatismo impedem que o livro se afirme com todo o seu potencial junto dos leitores.
A narrativa acompanha um grupo de cinco crianças com necessidades especiais que veem a sua escola ser alvo de uma inundação e, por esse motivo, são transferidas para um estabelecimento vizinho, perdendo a proteção e o conforto a que estavam habituadas. Enquanto aguarda pela conclusão do inquérito das autoridades, o grupo resolve fazer uma investigação paralela, que procura responder a uma única, mas decisiva pergunta: quem foi, afinal, o responsável pela abertura das torneiras da casa de banho que inundaram a escola?
Notabilizado pelos seus intrincados e engenhosos policiais, esseciais para a descodificação de mistérios que costumam prender os leitores até ao fim, Dicker adota uma estratégia narrativa bem distinta em “Uma catastrófica visita ao zoo”. Se o tom mais acessível e direto é (mais do que) compreensível, atendendo ao público-alvo alargado da obra, menos desculpáveis já serão as falhas na intriga e a dose gigantesca de previsibilidade, que faz com que até os leitores menos crescidos não tenham dificuldade de maior em chegar ao deslindamento do caso, muito antes de ele nos ser revelado.
A estafada mentalidade que associa às faixas etárias mais jovens um grau de exigência menor estará por detrás desta infantilização forçada, que empalidece vários pontos fortes do livro, de que são exemplos os diálogos espirituosos, o humor bem doseado e o modo enxuto como o autor de “O tigre” explica conceitos complexos, como a democracia ou a inclusão.