Estreia esta quinta-feira nos cinemas a nova comédia satírica do romeno Radu Jude, “Não esperes demasiado do fim do mundo”.
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Depois de vencer o Urso de Ouro de Berlim com “Má sorte no sexo ou porno acidental”, esperava-se com bastante curiosidade para onde iria o cinema de Radu Jude. Fazendo justiça à imagem de cineasta não alinhado, o romeno dirigiu uma série de curtas-metragens e um segmento de um filme coletivo, antes de estrear nova longa.
Revelado desta vez em Locarno, onde venceu o Grande Prémio do Júri, “Não esperes demasiado do fim do mundo” não desilude quem apreciou o filme anterior e vai seguramente seduzir uma nova legião de cinéfilos, pelas múltiplas camadas temáticas que se cruzam mas sobretudo pela modernidade e originalidade da narrativa.
No centro da ação encontra-se uma assistente de produção que percorre Bucareste em busca de vítimas de acidentes de trabalho, para que deponham para um vídeo sobre segurança laboral, pago por uma empresa austríaca. Quando finalmente se decidem pelo homem que mais se assemelha ao perfil pretendido, o que ele diz nem sempre está d acordo com o politicamente correto que se deseja, o cenário também não é o melhor e mesmo as condições meteorológicas não parecem ajudar.
Esta derradeira sequência é filmada num impressionante plano único de mais de trinta minutos, com câmara fixa, mas em que tanta coisa acontece.
Devido ao instinto de Radu Jude, este plano, apesar das suas características, concorre perfeitamente com os restantes elementos dramáticos, bem distintos: montagem paralela da protagonista na sua carrinha com um filme romeno de 1982 sobre uma taxista, e cuja atriz principal aparece agora, mais de 40 anos depois, vídeos onde a assistente de produção aparece com um avatar, usando linguagem grosseira, o que lhe vale já mais de duzentas mil visualizações…
Através de todos estes dispositivos, que em parte retoma do filme anterior, Radu Jude faz uma cartografia da Roménia de hoje, criticando tanto o regime passado de Ceaucescu como a corrupção que agora se instalou, mas também do mundo exterior e, sobretudo, da natureza humana.
Irónico, sarcástico, corrosivo, pessimista, ou pelo menos realista, Radu Jude define-se assim como um dos grandes cronistas do cinema de hoje – contando aqui com a cumplicidade da extraordinária atriz Ilinca Manolache.