A premiada artista franco-canadiana expõe a sua obra no Museu de Serralves até ao final deste mês.
Corpo do artigo
Recuamos aos ofícios da cidade invicta e ao apogeu dos Descobrimentos que, do cais de Miragaia até ao topo ao Jardim de João Chagas, pela causa laboral, conhecemos como Jardim da Cordoaria. A expansão marítima exigia o trabalho incansável das cordas e no pequeno areal de Miragaia não havia espaço para esticar, para a nova indústria que emergia. A escarpa foi ocupada pelos cordoeiros e a tradição ficou no lugar. Também o azulejo é parte do edificado histórico do país, sobretudo a partir do século XVII, enquanto a cerâmica, em sentido mais lato, é História do Ser Humano e simboliza, se quisermos, a sua relação à terra, a resposta utilitária à preservação dos espécimes alimentares e, ainda, a descoberta do seu potencial para a inscrição narrativa da vida. Não obstante, aprendi História da Arte a distinguir as belas-artes (pintura, escultura) das decorativas ou menores, onde se inseria tudo aquilo que fazia uso de tecnologias, algumas milenares, como a cerâmica, o têxtil ou mesmo o vidro. Eram dois mundos que não se inscreviam da mesma forma, com a mesma importância, numa escala de poder que ignorava as mudanças trazidas pelas vanguardas das décadas de 1960/70 e que acompanham um tempo lindo de lutas sociais e de conquistas de direitos, liberdades e garantias, globalmente falando, e que chega a Portugal com a Revolução de 1974.
Kapwani Kiwanga (n.1978), artista nascida no Canadá e atualmente a residir em Paris, França, é uma artista plural que expande a sua prática artística a uma variedade de materiais e tecnologias que vão das (possíveis) classificações como escultura, instalação, fotografia, vídeo ou performance. Amplamente premiada e representada em algumas das mais relevantes estruturas de programação em arte contemporânea do mundo, a sua obra aborda, de forma convicta, temas como o colonialismo, o género ou a diáspora, em particular, a diáspora africana, centrando-se em reflexões atentas às questões de poder e às disparidades e desigualdades que marcam o nosso tempo, suportadas em questões culturais e históricas de fundo. Neste sentido, a artista tem privilegiado projetos em que tem oportunidade de mergulhar nos contextos em que vai expor, trazendo ao olhar dos públicos uma perspetiva crítica sobre as identidades e sobre o jogo de forças simbólico e social.