Obra-prima de Manoel de Oliveira, “Vale Abraão”, regressa às salas de cinema em cópia restaurada.
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Em 1993, quando “Vale Abraão” estreia na prestigiada Quinzena dos Realizadores de Cannes, Manoel de Oliveira estava no auge do seu esplendor artístico e com um generalizado reconhecimento internacional.
Tinham-se passado quase 20 anos sobre a queda de um regime que o levara à prisão mas, imagina-se que muito pior para o mestre portuense, o impedira de concretizar um grande número de projetos.
Já bem octogenário, mas em grande forma física, Oliveira estaria ainda connosco mais vinte e poucos anos, realizaria outros tantos filmes e deixar-nos-ia com a invejável idade de 106 anos, concluindo uma imensa e intensa vida e obra.
Oliveira tivera a possibilidade, graças aos homens do Cinema Novo, de retomar o trabalho ainda antes do 25 de Abril de 1974, com “O passado e o presente”, que iniciaria a chamada tetralogia dos amores frustrados, continuada com “Benilde ou a virgem mãe” (1974), “Amor de perdição” (1978) e “Francisca” (1981).
Com este último filme, o fim de ciclo tem continuidade no início de outro: a produtiva, e por vezes explosiva, relação artística com Agustina Bessa-Luís, de quem adapta “Fanny Owen”. E, apesar de outros pequenos papéis em filmes anteriores, pode dizer-se que Leonor Silveira enquanto musa de Oliveira nasceu também com este filme.
O elenco de "Vale Abraão" é uma constelação de estrelas, contando ainda com Luís Miguel Cintra, Ruy de Carvalho, Luís Lima Barreto, Diogo Dória, José Pinto, Filipe Cochofel, João Perry, Glória de Matos, António Reis e, entre outros, Isabel Ruth
São ainda amores frustrados, os da trágica Ema, uma Bovary do Douro, entre um mau casamento e amantes que também a não satisfazem. Agora numa cópia restaurada, e para ver em sala de cinema, "Vale Abraão" ganha uma outra vida, sublinhando o lado intemporal de um dos exemplos máximos da sensibilidade artística, da paixão pelo ato de filmar, de uma linha narrativa muito própria.
Manoel de Oliveira só se tornou consensual após completar 100 anos, olhado mais como um fenómeno humano do que pelo artista que era. Quem ainda não viu este gigantesco monumento cinematográfico, não pode perder a ocasião de o (re)descobrir numa sala de cinema.