Regressa esta sexta-feira ao Porto com "AmarAmália" no Coliseu, depois de um hiato de 24 longos anos.
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Falar sobre a dança portuguesa e não mencionar Vasco Wellenkamp é o equivalente a ir a Roma e não ver o Papa. Depois de um auspicioso começo nos Bailados Verde Gaio, ingressou no Ballet Gulbenkian, onde assinou mais de 50 coreografias que marcaram indelevelmente o estilo coreográfico. Lecionou no Conservatório Nacional e na Escola Superior de Dança. Foi diretor da Companhia Nacional de Bailado (CNB), do Teatro Camões e do Festival de Sintra (dança). Estudou com Martha Graham e Merce Cunningham e coreografou dezenas de companhias internacionais. Atualmente com 80 anos dirige, com Cláudia Sampaio, a Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo, que pela primeira vez em 24 anos se apresenta no Porto. Hoje no Coliseu, às 21 horas.
Porque tardou 24 anos a regressar ao Porto?
Não sei dizer como chegamos agora ao Porto, mas sei dizer que tenho um grande desgosto. Estive cá com o Ballet Gulbenkian em todas as temporadas e foi um enorme sucesso. Sentia da parte do público do Porto um grande entusiasmo com as minhas coreografias.
Com a CNB também esteve nas várias temporadas...
Sim, também, mas sem ser com as minhas coreografias. E falando apenas do ponto de vista pessoal, é algo que me entristece.
Ficou contente com a nomeação de Carlos Prado para a direção da CNB?
Foi algo que me deixou muito contente. Era um bailarino lindíssimo, um homem com uma carreira internacional e um profundo conhecimento do que é a dança clássica e contemporânea. Alguém de fora da dança dirigir, foi um absurdo, um erro do Ministério da Cultura, alguém que nunca pôs os pés num palco é uma solução contranatura. E é preciso dizer que Carlos Vargas, da OPART, um dos melhores administradores de dança que já conheci, já tinha proposto o nome do Carlos Prado.
E quanto ao Teatro Camões e o seu encerramento temporário?
O Teatro Camões foi um teatro construído para a Expo 98 e foi ficando, tem problemas estruturais, mas penso que caminha para serem resolvidos.
"AmarAmália" foi criada em 2004 , já teve vários elencos. Como lida com cada um deles?
A minha preocupação é sempre a de tirar o máximo partido deles. E claro uma coisa é um contrato de trabalho de dois meses para criar uma noite, outra coisa é ter três anos para criar. Além das questões técnicas dos bailarinos há depois a natureza de cada pessoa, o que cada um tem de especial e como respondem emocionalmente. Qual a sua personalidade e a sua liberdade para construírem algo distinto.
O processo é diferente com elencos internacionais?
Eu nunca vou para estúdio com coreografias feitas, só a música e uma ideia. Em cada companhia observava isso, em Zagreb, em Geneva, na Áustria e, claro, nos Países Baixos que têm os melhores bailarinos do Mundo. São excecionais. E têm companhias como a Nederlands Dans Theatre. Na dança de hoje, temos fatores que não têm nada a ver com a técnica, a ideia, a beleza, a interpretação. Há um desfasamento do português, por vezes, entre a ideia e a forma.
Que relação tem com a música de Amália para escolhê-la para este bailado?
Eu fui para Geneva e tinha a ideia de fazer um bailado sobre a Maria Callas, com passagens da ópera. Quando expliquei a minha ideia ao diretor da ópera, ele disse: "Vasco, esquece. A Callas cantou muito neste teatro, toda a gente lhe está a fazer homenagens, desculpa mas não vou arriscar. Porque não fazes da Amália?". Quando ele disse isto caiu-me a alma aos pés. Como é que vou representar o meu país, a minha cidade, com uma música passiva e sofredora. Pedi uma semana para pensar. Falei com o meu diretor de serviço que respondeu: "Vasco, aceita, ele contratou-te por alguma razão". Falei com o Carlos Zíngaro e a Constança Capdevile e eles uniram tudo.
O melhor da música, da poesia e da dança nacional
"Sem inquietude não fazemos nada, e sei que chegamos a um ponto em que parece que já consumimos tudo na dança", conta ao JN. O espetáculo "AmarAmália", apresentado na véspera do seu centenário, é uma homenagem. "Sei que este trabalho é um sucesso porque tem a voz da Amália. E não posso deixar de ter consciência que também influencia o facto de ter todos estes poetas maravilhosos". A inimitável linguagem coreográfica de Wellenkamp é o terceiro elemento do espetáculo sobre o património cultural nacional.