"Língua brasileira", de Felipe Hirsch, vem celebrar a história de um idioma com música de Tom Zé. O espetáculo está em cena até domingo no Teatro São João, no Porto
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"A língua brasileira existe e não existe. Na medida em que formou a sua especificidade, o seu jeito próprio, ela existe. No sentido em que brotou da herança de um património, assim como o português daqui, ela não existe." Num tempo em que há debate académico, científico, sobre a possibilidade do "brasileiro" ser elevado a língua autónoma, Felipe Hirsch, encenador de Curitiba, vem propor algo mais amplo: uma viagem musical pela língua que é falada em quatro continentes. Vem para celebrar em vez de dividir.
O gatilho para o processo, iniciado há seis anos, foi um tema de Tom Zé (n.1936), tropicalista baiano que começou a gravar em 1968. "Língua brasileira", do álbum "Imprensa cantada" (2003), evoca as raízes e os desenvolvimentos da "última flor do Lácio", como chamou Olavo Bilac à última língua a surgir do latim vulgar.
"Foi esse percurso do idioma que nos interessou", diz Felipe Hirsch. "Os seus mitos e cosmogonias."
No espetáculo, que coloca em cena 21 músicos e intérpretes num carrossel de quase 30 cenas, com duração aproximada de três horas, são escutadas novas faixas criadas por Tom Zé no contexto deste projeto - deram origem ao álbum "Língua brasileira"; mas também textos de línguas indo-europeias, latim, celta ou visigótica. Há Camões e Heródoto. E há as contribuições africanas e dos indígenas da América do Sul.
"Foi uma língua que atravessou continentes, deixando as suas marcas e colhendo-as por todos os lugares onde passou. É isso que interessa celebrar - essa riqueza cultural máxima que é a nossa língua. Sobretudo num momento tão estúpido da história, de tamanha incompreensão", diz o encenador, que descreve "Língua brasileira" como um "concerto de sons".
É a beleza fonética do idioma, nas suas variadas expressões históricas e geográficas, que mais sobressai no palco do Teatro São João.