Ator americano falou ao JN sobre a sua estreia na realização, "Falling - Um homem só", já nas salas.
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Ator popular e de culto, o Aragorn da trilogia "O senhor dos anéis" e protagonista de vários filmes de David Cronenberg, Viggo Mortensen estreia-se na realização com "Falling - Um homem só", um projeto antigo sobre a relação problemática de um filho com o pai, que leva para sua casa e com quem nunca está de acordo. O filme, interpretado pelo próprio Mortensen e por Lance Henriksen, ator de culto de séries como "Terminator" e "Alien", já está em exibição nas salas.
Vendo o filme começamos por pensar que há algo de autobiográfico, mas já afirmou que não era bem assim.
Não é autobiográfico mas tem algumas raízes. Sempre que volto a ver o filme penso nos meus pais, na minha infância, na relação entre o pai e a mãe. E há momentos que os meus irmãos podem reconhecer. Não tudo, mas alguns detalhes, uma frase, um gesto. Mas senti-me muito livre, inventei uma família.
A história do filme acaba por ser universal.
É isso que esperava, desde a rodagem, quando elementos da equipa me falavam de histórias que se tinham passado com eles, mesmo que não fossem tão parecidas. Mas havia uma conexão pessoal. E quando rodámos algumas das cenas mais fortes, como a discussão entre o pai e o filho, a equipa estava a trabalhar, mas em silêncio. Percebi logo que o filme podia ter uma ligação muito forte com o público.
Como é que conseguiu criar toda essa tensão? Quase que temos medo da chegada da próxima cena de discussão, como temos medo da próxima cena de suspense de um filme de terror.
Gosto muito que tenha tido essa sensação. É a primeira vez que alguém me diz isso. Era essa a ideia. O Lance perguntou-me como é que estava a ir e eu disse que corretamente. Mas corretamente não era suficiente. Tinha de ser um pouco mais incómodo. Para que o espectador quase que não queira ver. No dia seguinte o Lance veio com outra energia. E no final a equipa estava toda comovida.
Agora não podemos imaginar o filme sem o Lance Henriksen. Como é que se lembrou dele?
Eu conhecia o trabalho dele como ator. Foi sempre honesto, esteve bem em todos os filmes que fez. Mesmo que só tenha um pequeno papel, acredita-se sempre no que ele faz. Tem uma presença, um rosto, uma voz, e tinha a idade correta. Eu sabia que ia ser especial para ele, nunca o tínhamos visto a fazer este tipo de papel. Fez um trabalho feroz, desnudou-se psicologicamente. Eu também já não imagino o filme sem ele.
Este homem tão conservador, tão arrogante, é também um comentário à América de Trump?
Qualquer história de família, um romance ou um filme, é um microcosmos da sociedade. A minha ou a sua. Como este filme é contemporâneo de Trump, é difícil não pensar nisso. Hoje há polarizações na Europa e em outras partes do mundo. E há cópias de segunda categoria de Trump. São seus seguidores ou apóstolos. Como é que se fala com alguém que tem um ponto de vista completamente diferente? Às vezes não é possível, o que não quer dizer que se deixe de o tentar.
Como é que estava no primeiro dia de rodagem, ao chegar ao plateau e ter algumas dezenas de pessoas à espera que lhes digam o que fazer?
Como sempre, na véspera do primeiro dia de rodagem não dormi. Se fosse há dez ou 20 anos, quando quis começar a realizar, não sei se seria assim, porque ainda não tinha visto tudo o que queria ver. A coisa mais importante é a comunicação com a equipa. Chegas no primeiro dia, és o realizador, toda a gente olha para ti. Mas eu sentia-me bem, tinha preparado tudo muito bem com o diretor de fotografia, com a produção, com a direção de arte. Com os atores também.
E como foi essa dinâmica de estar ao mesmo tempo atrás e à frente da câmara?
Ao princípio não queria fazer as duas coisas porque queria dar atenção total à equipa e aos atores, mas depois de um primeiro fracasso na tentativa de arranjar dinheiro para fazer o filme decidi fazer o papel, porque como ator ia cobrar zero pelo meu trabalho. Acabei por não ganhar nada para poder terminar o filme.
De todas as conversas com o Lance Henriksen percebeu se este era também um filme especial para ele?
Ele disse-me que este filme mudou-lhe a vida. Acabou o filme exausto. Continuamos a falar muito. Fiquei muito feliz, porque sempre quis que as pessoas que trabalham comigo levem qualquer coisa dessa experiência. E ele também merece todas as coisas positivas que se possam dizer do seu trabalho.
O filme está construído com vários flashbacks, que no cinema clássico era um instrumento narrativo muito utilizado. Mas hoje os produtores acham que os espectadores querem coisas mais simples...
Sim, mas eu respeito o espectador. Penso que podem perceber o filme. Há realizadores que gostam de explicar tudo, sobretudo quando há um estúdio por detrás e um orçamento de cem milhões de dólares. Economicamente, não podem correr o risco de não se perceber a história. Mas o meu filme não está nessa categoria, felizmente, e por isso não tinha de mostrar tudo. Seria muito aborrecido.
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