A frase há dias proferida ao JN por Paulo Ventura, organizador do Vilar de Mouros, parece ter-se confirmado na noite desta quinta-feira: este é o festival das boas histórias. E Xutos & Pontapés fazem parte de uma delas. Como é que a icónica banda portuguesa veio parar a este alinhamento de metal e gótico?
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Depois de ter quatro de cinco bandas fechadas, Paulo Ventura ficou a saber que Kalú, membro dos Xutos, tinha pena de nunca ter conhecido os The Cult. Assim se faça a sua vontade. “Quando soube desse desejo, pareceu-me que Xutos era o crossover perfeito para passarmos de um crescendo de metal para o final de noite”, contou ao JN Paulo Ventura. Foi a aposta certa. Numa noite improvável para Xutos & Pontapés, com um público claramente aliado ao metal, a tração podia não pegar. Pegou e provou-se, mais uma vez, que a banda rock de 1978 é um dos símbolos da identidade portuguesa.
Prova disso foram as múltiplas canções que o público entoou (ainda assim não tantas como em Delfins na noite de quarta-feira) e, em final adocicado, “Homem do leme”, em palco numa versão intimista com todos os elementos reunidos ao centro, ecoou até à porta de entrada do recinto. Apesar do empenho inalcançável dos festivaleiros, Xutos & Pontapés não acederam ao pedido de uma criança que, na primeira fila, envergava um cartaz a clamar que a convidassem para fazer conjunto naquela que foi a última música tocada. Talvez fique para uma próxima.
Nas marcas do concerto vê-se ainda cravada a homenagem espontânea dos espectadores em Vilar de Mouros a Zé Pedro. Já Tim tentava avançar para a próxima faixa e viu-se forçado a voltar atrás e dar espaço para os aplausos que pareciam, por aquele ícone, nunca se cansar. “Vida malvada”, “Para ti Maria”, “Contentores” e “A minha casinha” foram os clássicos obrigatórios que não faltaram no alinhamento, mas também em canções menos óbvias, como “Sémen” ou “Avé Maria”, o entusiasmo passou do palco para o relvado.
Noite de coincidências
Além de boas histórias, Vilar de Mouros também é um festival de memórias. E esta noite é um caso peculiar dessa caraterística. Recuemos primeiro a 1996, ano em que R.A.M.P. e Xutos & Pontapés atuaram no mesmo dia deste certame (tal como nesta quinta-feira). Dez anos depois, há de novo Xutos, desta feita no dia de Sepultura (ex-banda de Max Cavalera) e dias após Moonspell e Soulfly (também com Max Cavalera) terem subido a palco. Dois anos de coincidência com este 2024, ao que se acrescenta agora The Cult.
Por falar em coincidências, a noite desta quinta-feira teve também uma palavra surgida em dupla ocasião – família. Tanto em R.A.M.P. como em Soulfly, a descendência foi chamada ao palco. No primeiro caso foi David, filho do guitarrista Ricardo – uma forma de Rui Duarte, vocalista, poder afirmar que “o rock não está morto” e continua a renovar-se. No segundo caso, foi o filho do próprio Max Cavalera, Richie.
Depois de uns R.A.M.P. dedicados, com sucesso, à conquista do público, e uns Moonspell a fazer jus à sua legião fiel, Soulfly tinham o tapete de entrada energicamente abanado e preparado para as suas boas-vindas. Mas nem um concerto apoteótico livrou a banda de desiludir alguns fãs com a ausência de “Roots Bloody Roots”, do álbum “Prophecy”, de 2004. Desta mesma obra, tocaram, no entanto, “Porrada” – com uma múltipla chamativa de Max Cavalera para que Vilar de Mouros “destrui-se essa porra toda”. Parece que os festivaleiros acederam ao pedido e passaram no texto, pelo menos julgando pelo contínuo mosh pit e pelas regulares momentos de crowd surfing.
Camisolas fora do armário
Se há comportamento que pode também resumir a noite desta quinta-feira é o desfile de camisolas fandom. O dresscode ia de Queens of the Stone Age (banda que levou a um cancelamento de última hora e a uma reprogramação desta edição do Vilar de Mouros) a Foo Fighters, passando por Ramones, Pearl Jam, Prophets of Rage ou Iron Maiden. E, como não podia faltar, uma maré cheia de roupa a aludir aos portugueses do alinhamento com maior base de fãs: Moonspell.
A casa cheia e dedicada de Xutos ou Soulfly manteve-se, ainda que mais dispersa – julgue-se pela quantidade de mantas estendidas na relva que antes da meia-noite já serviam de cama aos mais esgotados – mas, para The Cult, a atitude foi mais contemplativa do que interativa. Até meio da atuação, os aplausos mais fortes foram tirados a ferros por Ian Astbury, que repetia os pedidos de energia. Depois de um arranque que pareceu desligado de quem assistia, a temperatura foi aumentando, tendo chegado apenas perto de ferver já na reta final, quando a banda regressou para o encore. Aí, ouviram-se clássicos como “She sells sanctuary”.