Rui Fernandes mostra as virtudes da viola amarantina a solo e em quarteto.
Corpo do artigo
A viola amarantina não é um instrumento especialmente familiar. Tem berço em Amarante, duas aberturas frontais em forma de coração e dez cordas de aço dispostas em cinco cursos. O som que o músico e compositor Rui Fernandes extrai do instrumento, próximo da viola clássica, solta-se habitualmente para um híbrido que evoca a guitarra portuguesa - confira-se, por exemplo, os momentos mais exultantes de "Cumeeira" e, sobretudo, "Querido Paredes", com uma ternura melódica a baloiçar na voragem dos elementos que transporta o ouvinte para o imaginário sonoro de Carlos Paredes.
"A viola amarantina" contém 11 composições expressivas e breves, todas da autoria de Rui Fernandes. No primeiro disco, a solo, essas composições assemelham-se a frescos, muitas vezes contemplativos, evocando espaços exteriores despidos de presença humana, espaços graníticos vestidos de vegetação.
Em casos como "Mestre violeiro", a definição da melodia pelas cordas encarna a voz humana. E imagina-se facilmente "Dolente na tarde calma", com vestígios de um swing brasileiro ou americano, entregue por um cantor.
A desdobragem de "A viola amarantina" faz pleno sentido. No segundo disco, em que a Rui Fernandes se junta o piano de Pedro Neves, o contrabaixo de Miguel Ângelo e a percussão de Ricardo Coelho, dá-se uma profunda reinvenção de nove das 11 faixas escutadas a solo. Com o abundante percurso destes músicos no jazz esse é, agora, o idioma que prevalece, mas com a visão e a disponibilidade para abordar cada tema como uma entidade autónoma. O repertório, antes bucólico e contemplativo, é transportado para meios mais urbanos (não demasiado urbanos). A comunicação a quatro soa telepática e a expressão criativa é coletiva e democrática: a viola é mais um elemento numa conversa em que ela, como os restantes instrumentos, tem instantes de protagonismo e de cenário. Nesta configuração, o otimismo de "Cumeeira" volta a sobressair, assim como o divertimento de "Tom & Jerry", enquanto a urgência de "Sónia" torna-se cinematográfica.
A viola amarantina
Rui Fernandes + Quarteto
Ed. Autor