
Virginie Efira em maio deste ano no Festival de Cannes
Patrícia de Melo Moreira/AFP
Atriz dá corpo a uma agente da polícia em "Turno da noite".
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No filme de Anne Fontaine, realizadora francesa que passou parte da infância em Lisboa, onde o pai era chefe de orquestra, três agentes da polícia têm a missão de, durante uma noite, levarem um emigrante ilegal ao aeroporto para ser repatriado. Mas quando descobrem que, ao regressar ao seu país, corre risco de vida, começam a questionar a sua missão. Ao lado de Omar Sy e Grégory Gadebois, Virgine Efira é a agente da polícia confrontada com o dilema de seguir o dever ou a sua moral.
Não há muitos filmes policiais feitos por mulheres.
Há bons filmes franceses do género, mas são normalmente muito naturalistas. Desde o início que a abordagem estética da Anne foi noutro sentido, ao nível da luz, da mise en scène. E quando pensamos em filmes policiais ou sobre a polícia, pensamos normalmente em filmes de ação e ela quis fazer um filme psicológico e impressionista.
A sua personagem adota uma atitude muito corajosa no filme.
Não posso dizer que teria a mesma coragem se estivesse na posição dela. A coragem é a maior das qualidades, mas apenas se determina no próprio momento, face à própria situação.
Que tipo de preparação é que fez para este papel?
Falei com imensas mulheres polícias. Para mim o mais importante era a parte física. Nunca tinha colocado algemas em ninguém. Foi muito interessante falar com aquelas pessoas sobre o que fazem na vida, mas foi mais importante para a minha própria vida do que para o meu trabalho.
Não se alimentou dessas histórias para criar a sua personagem?
Ouvi as histórias que me contaram porque eram muito interessantes. Nunca tinha tido esta oportunidade. Mas não retirei nada para criar a minha personagem. Cada polícia é um caso, cada um tem a sua individualidade. Quando vesti o uniforme senti-me bastante vulnerável, por estranho que pareça.
A sua personagem evolui entre dois polícias homens. O sexismo também está presente.
A questão do sexismo, mais pronunciado em meios mais masculinos e viris, sempre existiu. Naturalmente que houve uma evolução, mas esse não é o tema do filme. O que gostei no argumento é que, apesar de haver dois agentes homens bem corpulentos, é ela que os influencia mais.
Como é que se posiciona na questão de serem ou não dados prémios a pessoas como Roman Polanski?
Ele tornou-se um símbolo. Representa, bem ou mal, um combate que continua, que não pode abrandar, contra um sistema que permitiu aos homens maltratar as mulheres. Mas não acho que os Césars em si sejam sexistas. No cinema francês, no que tenho tido ocasião de viver, com realizadores homens ou mulheres, não há uma ideia cliché da mulher e do homem. E tem interrogado sempre essas questões.
Mas acha que se deve boicotar as obras de pessoas que tenham tido atitudes menos éticas?
Continuarei sempre a ler livros e a ver filmes de pessoas que não tiveram uma vida particularmente exemplar. Não vou ter de me assegurar que tiveram uma vida sem mácula para ler um dos seus livros ou ver um dos seus filmes. E acho que se pode ter esse ponto de vista e ao mesmo tempo continuar a combater para impedir que haja um sistema que mantenha impunes pessoas com comportamentos imorais.
E a questão da paridade?
É muito importante agir pela paridade e pela diversidade. Em todos os ramos da atividade cinematográfica e também no que os filmes contam. É preciso absolutamente avançar nesse sentido. Mas não é uma obrigação política fazer só filmes onde haja tantas mulheres como homens. Não me choca que não haja mulheres em "Os miseráveis" como não me choca que não haja homens no filme da Céline Sciamma. Choca-me mais que a evolução das mentalidades seja tão lenta.
Veio da Bélgica. Como é que está a viver a experiência do cinema francês?
Tenho 42 anos, trabalho há alguns anos no cinema francês e tenho tido acesso a papéis muito mais interessantes nos últimos quatro ou cinco anos. Não sei se seria o mesmo se estivesse a trabalhar no sistema americano. Mas é verdade que há poucas mulheres à frente das grandes companhias francesas. Quando há muito dinheiro não há muitas mulheres. O que importa é que todas estas questões sejam debatidas.
Sente uma diferença entre ser dirigida por um homem ou por uma mulher?
Não há diferenças. De cada vez que faço um filme realizado por uma mulher não começo por dizer que é um filme de mulher. Não há filmes de mulheres. Cada mulher tem o seu ponto de vista. Já tenho recebido argumentos escritos por mulheres que são muito misóginos. E há filmes de homens que não o são.
Como é que decorreu o trabalho com a Anne Fontaine?
A Anne é uma mulher com muita força. Conheço-a há muito tempo. Adoro-a, é melhor gostar do realizador com quem se trabalha. Quando interpretamos também o fazemos um bocadinho para o realizador. Há um abandono mais simples.
Necessariamente, a sua carreira fica marcada por "Benedetta" e pelo seu trabalho com Paul Verhoeven.
Sei o que filmei e com quem filmei. Vivo com isso. Foi algo de muito especial e de muito livre. Mas o que importa é o filme e não a atriz. É um filme do Paul Verhoeven e tive uma sorte extraordinária de trabalhar com ele. Gosto muito dos primeiros filmes dele e da forma como perverteu o sistema quando fez filmes nos Estados Unidos.
Como é que foi a experiência de trabalhar com ele?
Ele é muito divertido. Profundo, mas não se leva demasiado a sério. É alguém que sabe trabalhar muito bem a imagem. "Benedetta" é um filme que interroga a fé, a sexualidade. Todas as obsessões do Verhoeven encontram-se ali, de uma forma verdadeiramente radical.
