Estreado em Cannes, o ano passado, “Nada a Perder” é o filme de estreia de Delphine Deloget, sobre uma mãe solteira que perde a guarda de um filho quando este tem um acidente em casa, na altura em que a mãe estava na discoteca onde trabalha. Grávida do segundo filho, Virginie Efira esteve a conversar com o JN.
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Ter visto o filme já pronto depois de saber que também ia ser mãe mudou a forma como o viu?
Já tenho um filho, com dez anos. Estar grávida ou não, não muda a minha ideia deste filme. No entanto, estar grávida muda algumas coisas. Posso ver um mau filme e mesmo assim desatar a chorar. Mas o filme da Delphine é um bom filme.
Nos últimos tempos tem aparecido em imensos filmes. Agora, tem a oportunidade de descansar um bocado.
Mas tenho um stock de avanço! O facto de ter feito muitos filmes é porque tive muito boas propostas. É evidente que agora vou parar um pouco. E mesmo depois de ter o bebé terei tempo para escolher um bom papel para mim. Pode ser um argumento ou um livro que leia, ou um convite a um realizador.
Alguns dos seus últimos filmes exploram muito bem os problemas da maternidade e do casal. Foi apenas uma coincidência?
Não acho que tenha sido uma coincidência. Tem a ver com temas que me interessam neste momento. Gosto muito da ideia que as minhas personagens possam dialogar entre elas. E que haja perspetivas diferentes, em função do olhar do realizador que vai contar essas histórias. As personagens poderem de certa forma dar a mão umas às outras é a única forma que um ator tem de se definir.
Até que ponto é importante para si interpretar um certo tipo de mulheres?
Os clichés, antes ou depois do metoo, não me interessam. A ideia da mulher forte, com poder, também é limitativa. O que me interessa, e não lhe vou dizer nada de novo, são as nuances, a complexidade das personagens femininas, a exploração da condição humana no seu todo.
Esta personagem, precisamente, tem essa complexidade, umas vezes parece lúcida, outras não.
Eu compreendo a determinação dela, mas por isso ela só consegue agarrar-se ao seu ponto de vista sobre a situação. Tem dificuldade em compreender as coisas e as pessoas que lhe dizem que tem de se acalmar. Mas é difícil de abdicar, face a uma situação como a que ela vive.
Tentando manter uma relação entre as suas personagens, não tem receio de não dar uma ideia de diversidade, nas suas opções?
Na minha opinião estas personagens também são diversas. Têm um olhar diferente sobre o que se passa à sua volta. Quando via um filme da Jeanne Moreau, da Catherine Deneuve, da Gena Rowlands, da Nathalie Wood, as escolhas delas diziam sempre qualquer coisa sobre elas próprias. Mesmo se as personagens tivessem energias muito diferentes. No caso da personagem deste filme, é uma forma diferente de ser mãe, de reagir à sua própria identidade e aos condicionalismos sociais.
Nesta personagem, há também um grande trabalho da sua parte em termos da fisicalidade.
Interpretar um papel é explorar todas as possibilidades da sua representação, em termos físicos e mentais. Eu posso sentar-me com as pernas abertas ou sentar-me de uma forma muito elegante. São dois lados da minha personalidade, o que não quer dizer que seja esquizofrénica. Ao representar uma personagem, podemos amplificar este ou aquele aspeto da sua personalidade. O que é preciso é manter sempre uma conexão entre a personagem e nós próprios.
Do ponto de vista psicológico, como é que aborda as suas personagens?
Sei que há muitos atores que o fazem, mas nunca me interessa saber ou pensar como é que foi a infância da personagem, a relação que teve com os pais, esse tipo de questões da psicologia da personagem. Gosto de trabalhar sobre um material mais bruto, mais ligado ao corpo das personagens. Para mim, o movimento do corpo tem a ver com o movimento da mente. É isso que eu tento encontrar, esse ritmo, mais do que a psicologia.
Este filme é uma primeira obra. O que a convenceu, foi apenas a leitura do guião?
É muito importante sentir a energia do realizador ou da realizadora. O que tento encontrar dentro de mim é se temos alguma coisa em comum. Um ator sozinho não é nada. Tenho de sentir essa conexão. Por vezes não pensamos da mesma maneira, mas sinto que podemos fazer qualquer coisa juntos. É preciso também perceber que é importante para o outro. Que com a equipa vamos fazer algo que nos transcenda.
Hoje em dia as oportunidades de trabalho mudaram, com as séries…
As coisas mudaram, é verdade, e eu estou um pouco perdida. Quando nos propõem uma série, não é com o realizador que comunicamos. Para mim é importante. Mas acabei de fazer uma série, é verdade. Com quatro realizadores diferentes. Temos de nos adaptar. Nas séries o mais importante são os argumentistas. Eu gosto de pensar em termos de imagem. Talvez por já ser de uma outra geração. Não gosto de filmes em que apenas se filma o guião. É preciso um olhar.
Tem algumas personagens favoritas, das que já representou?
É como na vida, sentimo-nos mais próximas de umas pessoas do que de outras. Mas também nos interessamos por personalidades que não são exatamente como a nossa. Até pela minha morfologia, nunca me darão papéis de personagens austeras, duras ou malévolas. Tenho este ar simpático. Mas adorava, para melhor perceber os outros. E se calhar para descobrir um lado mais negro de mim mesma.